Dia 17 de abril de 2009, que muitos denominam de Dia da Infâmia, ainda aguarda por um reconhecimento oficial. Registra a data, quando Jackson Lago e seu governo, eleito pelo voto popular dos maranhenses, foi derrubado por controversa decisão do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, golpe pela via do Judiciário, na expressão do jurista Francisco Rezek. Essa memória é resguardada e protegida pelo Instituto Jackson Lago, presidido pela sua esposa Clay Lago.
Passados 11 anos do golpe judicial, este dia bem poderia ser considerado como Dia Estadual em Memória da Democracia, se os parlamentares maranhenses se motivassem a elaborar projeto de lei nesse sentido. Nosso povo não pode esquecer que nem sempre a vontade das urnas é respeitada no Brasil, hoje os expedientes são tecnológicos e se utilizam das mídias sociais para manipular a soberania popular.
O Governo Jackson Lago elaborou diagnóstico claro sobre a situação maranhense, o fraco desenvolvimento local, a centralização administrativa e decisória, falta de foco e papel para os pequenos e microempreendedores, baixa qualidade da educação, ciência, tecnologia e inovação, e limitada capacidade de investimento público. Eis os entraves atávicos para o desenvolvimento sustentável maranhense.
E por isso, as ações realizadas e em andamento tinham como centro a ideia de um Estado indutor do desenvolvimento, ativando fatores como os arranjos produtivos locais, a economia solidária, infraestrutura, logística de transportes e parcerias público-privadas. Não é à toa que a governança política tinha outra qualidade, a descentralização, a participação popular e o desenvolvimento inclusivo sustentável davam o norte para os avanços em construção.
O desafio era fortalecer e integrar políticas públicas, reduzir as desigualdades e disparidades municipais e regionais, articular ações das diferentes esferas e entes públicos e privados, com foco no desenvolvimento regional sustentável. Não há como negar, muitos dos desafios continuam pendentes, alguns os entraves se agravaram e os fatores-chave para desenvolver o Maranhão se encontram embrionários.
O Instituto Jackson Lago tem a responsabilidade pública de manter acesa a chama da democracia e, ao lembrar esta data histórica, realçar o quanto aquele Governo contribuiu para o povo ser de fato ouvido, decidir seus destinos e realizar o sonho de um Maranhão mais justo e inclusivo.
Trata-se, com efeito, de um legado de grande expressão na história e na política recentes do Maranhão e do país, o qual, por reunir um elenco vigoroso de iniciativas instituintes e aspiradas por várias gerações, que puderam, mesmo em período tão curto, finalmente, ver esboçadas com total convicção e comprometimento, pelos agentes do governo vitorioso, motivados pela crença na possibilidade de superação do poder político das antigas oligarquias estaduais hegemônicas, desde priscas eras.
No momento em que vemos transcorrer mais um ano do golpe judicial ultrajante, vale a pena realçar algumas iniciativas de políticas públicas que ficaram registradas na memória e na história recentes, a exigir ressignificações, e que poderão ajudar muito no enfrentamento dos desafios do momento atual, marcado decisivamente pelas demandas em favor da reconstrução do desenvolvimento nacional e maranhense, principalmente agora, no emergir da fase pós-coronavírus decorrente do tsunami trazido pelo patógeno no mundo todo.
Começamos pelo enunciado da maior das subjetividades do governo interrompido, representada pela mística em torno de uma nova forma de promover o desenvolvimento endógeno, pela configuração de um outro projeto de desenvolvimento para Maranhão, focado no desenvolvimento humano e geograficamente estruturado e organizado na regionalização e no municipalismo, rompendo com as visões tradicionais de subsunção aos grandes projetos internacionais e nacionais, os quais não promoveram a equidade, pelo contrário, agudizaram as desigualdades econômicas e sociais de modo gritante.
Outra iluminação do então chamado governo do povo foi a sua flagrante identidade com uma estratégia de governo profundamente ousada e revolucionária, baseada no primado de que as políticas públicas devem ser implementadas como políticas de estado e não como políticas de governo.
A nova visão foi iniciada pelo fortalecimento do sistema estadual de planejamento e gestão, assegurando-lhe um elevado padrão de autonomia institucional. Este foi um fator decisivo para os resultados alcançados. Além disso, valores éticos que marcavam a biografia do grande estadista à frente do governo, passaram a permear as ações públicas dos dirigentes, os quais deveriam primar por comportamentos e compromissos, como os princípios da soberania popular, do bem comum do povo e da subsidiariedade.
A nova engenharia política em gestação, inspirada na possibilidade de assegurar a participação e o protagonismo efetivos das novas camadas sociais emergentes e na convocação de atores sociais qualificados e excluídos do sistema de governo das oligarquias dominantes, facilitou a difusão de uma nova cultura de governo, respeitando o multiculturalismo, as diferenças de toda ordem, elevando assim a crença na possibilidade de mudança estrutural da política maranhense.
Ficava cada vez mais perceptível o esforço governamental em alicerçar uma nova sociabilidade e uma nova forma de realizar o exercício das funções públicas, em um plano horizontal e transparente, em que o dirigente não se apropria ilegitimamente da soberania que pertence ao povo, mas à produção de formas novas de planejamento e gestão da coisa pública, em que a expansão da esfera pública decorre da capacidade e da arte de tecer intersetorialidades, sobretudo em três políticas públicas essenciais: cultura, educação e equidade social.
A mística em torno da metáfora autoproclamada pelo governo de que “agora é a vez do povo” impunha a necessidade de reinventar o Maranhão como ecossistema cultural, em que o messianismo não teria mais vez. Um fato decisivo para essa ultrapassagem cultural foi a desprovincialização do ethos maranhense, centrado no complexo de inferioridade do seu povo face à hegemonia da cultura erudita da elite dominante e seus mitos de origem. A estratégia da cooperação internacional, na esfera subnacional, teve um papel desafiador e fundamental nessa construção, assim com a ideia de instituir regiões de desenvolvimento territorial, pelo efeito de fazer emergir os elementos constitutivos das forças produtivas locais e os elementos definidores de suas culturas, em geral esquecidas e desvalorizadas.
A crise sanitária internacional provocada pelo novo coronavírus pôs em xeque todas as formas de governo baseada na arrogância e no plenipotenciaríssimo. Por maiores e poderosos que sejam os mentecaptos sobreviventes, perderam definitivamente a confiança dos governados.
O que eleva a estatura de Jackson na atual realidade política é o fato de nunca ter sido fascinado pelo trono, escapando dos efeitos deletérios da maldição do poder, que atormentam e destroem a lucidez e a sabedoria.
Impossível ter feito o que fez, em tão pouco tempo, e ter atraído, como atraiu, a ira dos adversários, se não praticasse a arte de governar na condição de servidor público.