O Nacional Trabalhismo: adaptação às diversas culturas e busca a valorização humana e a soberania nacional.
Se o século 18 foi o século das luzes, dominado pelo iluminismo, o século 20 poderia ser o século das ideologias. Nele não apenas foram desenvolvidas e aplicadas ideologias dos séculos anteriores, como o marxismo, o positivismo, o corporativismo, foram também renovados pensamentos mais antigos, como o liberalismo, revisto com o neoliberalismo e com o socialismo de mercado.
O Brasil, no entanto, teve pensamento próprio, que, como verdadeira ideologia, se espalha pela política, pela sociedade, pela economia, pela ciência: o nacional trabalhismo. Neste mundo multipolar, ele pode ser expandido pelos povos, pelas nações, pois o nacionalismo lhe dá características próprias para as mais diversas culturas e condições geográficas. É um pensamento múltiplo, mas com raízes próprias e distintas, na perspectiva nacional. E no trabalho como próprio do engrandecimento do homem, princípio e fim das sociedades.
O nacional trabalhismo, ainda que assimile e transforme pensamentos anteriores, o faz com características específicas de cada cultura, devido à genialidade do Estadista brasileiro Getúlio Dornelles Vargas (São Borja, Rio Grande do Sul, 10/4/1882 – Rio de Janeiro, Distrito Federal, 24/8/1954) que, mais do que o desenvolver, lhe deu operacionalidade.
Por conseguinte, o nacional trabalhismo brasileiro, além da doutrina política nacional, mais coerente com nossa terra e nossa gente, tem também elementos de lhe dão universalidade ideológica: o humanismo, a valorização do ser humano, e as condições de implementação, da construção de um Estado Nacional Trabalhista.
Ver-se-á neste artigo as bases em que se sustenta o nacional trabalhismo brasileiro e as perspectivas de seu renascimento diante das tecnologias e das mudanças na sociedade ocorridas a partir das duas últimas décadas do século 20.
Tratar-se-á também da operacionalidade, da construção de um modelo de Estado Nacional Trabalhista a ser desenvolvido nas condições objetivas de tempo e lugar.
Disputa pelo poder após as grandes guerras do século 20
O conceito de revolução se estabelece ao longo dos séculos 17 a 20. Inicia com a Revolução Inglesa de 1648, ou Revolução Puritana, liderada por Oliver Cromwell, que, além de garantir a liberdade religiosa, consolidou o modelo de poder parlamentar, ou seja, do povo sobre uma família ou apenas um dirigente. Segue a Revolução Americana de 1776, movimento de soberania política e liberdade individual, que levou à Independência dos Estados Unidos da América (EUA) e inspira a Revolução Francesa de 1789, onde as classes sociais mais humildes se colocam como o verdadeiro povo, expulsando do poder a aristocrática. Vem, após, a Revolução Russa, socialista marxista, de 1917, onde se estrutura o poder popular nos sovietes, há então novo pensamento e sua operacionalidade.
O pensamento revolucionário nacional trabalhista surge com a Revolução de 1930, no Brasil.
Todos os pensamentos ou ideologias revolucionárias são resultado de longas elaborações, algumas que nem saíram das especulações filosóficas, mas outras que foram construídas a partir de fatos concretos, ocorridos em determinadas épocas e sociedades.
O nacional trabalhismo pode pretender ter seus primórdios nos projetos para o Brasil de José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, São Paulo, 13/6/1763 – Niterói, Rio de Janeiro, 6/4/1838). Ali estão o fim do comércio de seres humanos, a miscigenação dos povos habitantes no Brasil, o uso da navegação fluvial para o transporte, a reforma agrária, a educação física e moral de homens e mulheres, punir o que furta o Estado, que o Patriarca denomina “ministro ladrão”, “por comissões ou omissões”, a independência garantida pela Constituição, para que eventual poder não ameace a integridade da discordância e outras ideias.
E como antevia Bonifácio: “De quantas coisas não se pode dizer que a impostura (fakeada na barriga, sem sangue na roupa) começou a obra, e o fanatismo (bolsonarismo) a acabou! (privatizações, incêndios criminosos, compra de armas de Israel)” (José Bonifácio de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil, organização de Miriam Dolhnikoff, Companhia das Letras, SP, 1998).
O poder da época, coincidentemente o mesmo de hoje, as finanças, levou José Bonifácio ao exílio. Como levaria grandes lideranças nacionais trabalhistas do século 20: João Belchior Marques Goulart, Jango (São Borja, Rio Grande do Sul, 1º/3/1919-Mercedes, Argentina, 6/12/1976) e Leonel de Moura Brizola (Cruzinha, Rio Grande do Sul, 22/1/1922-Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 21/6/2004).
Com a II Grande Guerra (1º/9/1939-2/9/1945), instalaram-se duas disputas no mundo. A mais midiatizada, a ideológica do capitalismo versus socialismo, e a intercapitalista, disputando o poder no capitalismo: a industrialização versus o financismo.
O Brasil foi colonizado sob o poder financeiro, que à época dominava o comércio. Vem daí a economia da exportação de produtos primários que dominou o País desde o Governo Geral de Tomé de Sousa (1549-1553), bem como a centralização administrativa.
Pode-se afirmar que estas características dominaram não apenas o Período Colonial, como o Império e a I República. Obviamente se adaptando ao crescimento demográfico, às exigências de consumo da sociedade que aqui se desenvolvia e à expansão territorial do Brasil.
Ao assumir a Presidência do Governo Provisório da Revolução de 1930, Getúlio Vargas iniciou, portanto, a construção do Estado Nacional Brasileiro, 381 anos após Tomé de Sousa.
E já o fez com a consciência do nacional trabalhismo, com o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto 19.402, de 14 de novembro de 1930) e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto 19.433, de 26 de novembro de 1930), no mesmo mês de sua posse, em 3 de novembro.
Há um simbolismo que não se deve deixar passar. Ao criar o Ministério para Educação e Saúde, Getúlio mostra a importância da construção da cidadania para erigir o país verdadeiramente consciente e capaz de enfrentar os desafios; ao colocar o trabalho junto à indústria e ao comércio, demonstra que não prevalecia neste país a luta de classe, mas o reconhecimento da indispensável parceria, e com o mesmo nível decisório, do capital e do trabalho.
Houve, como é óbvio, vários brasileiros que com suas ideias colocadas em discursos, livros e na prática política, foram construindo o ideal nacional trabalhista. Sem pretender ser exaustivo, mas somente exemplificativo, enunciamos: o político e maior escritor brasileiro, José Martiniano de Alencar (1829-1877); o abolicionista que sofreu a escravidão Luís Gonzaga Pinto Gama (1830-1882); o patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco; o político e representante do Brasil no exterior Ruy Barbosa de Oliveira (1849-1923); o político gaúcho que indubitavelmente influenciou Getúlio, o governador Júlio de Castilhos (1860-1903), que abrasileirou o positivismo de Augusto Comte (1798-1857); o político fluminense Alberto de Seixas Martins Torres (1865-1917); o médico, historiador, defensor da educação para o país mais justo Manoel José Bomfim (1868-1932); e colaboradores como Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951) e Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968); o professor, jurista e pioneiro no direito dos trabalhadores, o cearense Joaquim Pimenta (1886-1963); o grande educador Anísio Spínola Teixeira (1900-1971); o sociólogo e senador trabalhista Alberto Pasqualini (1901-1960); e o economista Ignácio de Mourão Rangel (1914-1994).
Vê-se que o nacional trabalhismo não é cópia de ideologias construídas em outras épocas e outras realidades sociais, outras culturas. O nacional trabalhismo vem sendo construído no Brasil já independente, por brasileiros de várias regiões do país, com diversas formações, irmanados na construção do seu País e para seus filhos.
Portanto o nacional trabalhismo não é liberal, como a ideologia financista que domina o Brasil de hoje, não é socialista, que jamais dirigiu a Nação Brasileira, e não se limita ao desenvolvimentismo econômico, mas tem na Questão Nacional sua permanente preocupação.
O que fizeram os criadores da Nova República foi apequenar o Brasil, colocando-o na disputa dos poderes que surgiram do Consenso de Washington (1989), ou seja, fora da nossa melhor construção política, verdadeiramente brasileira. Ignoraram até mesmo a contribuição trazida pelos governos militares, dos tenentistas agora generais, Artur da Costa e Silva (1899-1969), de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969, Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974, e Ernesto Geisel (1907-1996), de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979.
Nacional trabalhismo no século 21
A década de 1950 é considerada da Terceira Revolução Industrial. Nela foram desenvolvidas: (a) nova fonte primária de energia, a termonuclear (1945); e (b) revolucionada a comunicação com a digitalização, apresentada pelo matemático estadunidense Claude Shannon (1916-2001), no trabalho A Mathematical Theory of Communication, em 1948.
O mundo vivia então os “Anos Gloriosos” do pós-guerra, na expressão cunhada pela Academia de Economia Política da França, que terminaram na década de 1970, com as “crises do petróleo”. O desenvolvimento econômico e social de 1945 a 1973 deveu-se à industrialização, combatida pelo poder financeiro que passa a dominar a partir de 1980, com as desregulações que colocaram a finança como única entidade, real ou virtual, que poderia sem quaisquer restrições circular pelo planeta. Tudo mais precisaria de passaporte, certificado de embarque, taxas aduaneiras etc. Apenas um comando digital colocaria a moeda num paraíso fiscal, ou circulando pelas bolsas de valores e mercadorias, conforme seus horários de funcionamento.
O neoliberalismo e a financeirização da vida tomaram conta do Brasil com o fim dos governos militares, ou seja, desde a presidência de José Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990).
Uma herança dos governos militares foi tirar de Leonel Brizola, histórico trabalhista, a sigla popular e aguerrida do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas e conduzido por Jango. Foi abastardada, pessoas sem qualquer compromisso com os ideais trabalhistas nela fizeram pouso e negociatas.
Retomada nesta década, cabe-nos, aos que verdadeiramente amam o Brasil, reviver e atualizar o nacional trabalhismo. A Questão Nacional, que trata da autonomia e do progresso brasileiros, é o ponto de partida. Ela inclui os segmentos: soberania e cidadania, como já nos ensinara Getúlio Vargas.
A soberania hoje significa deter as tecnologias para desenvolvimento de sistemas e construções de aparelhos que irão trabalhar com dados digitais. Estes vão dos telefones pessoais aos satélites e tudo mais relacionado ao uso do espaço. Infelizmente, a ideologia do mercado tirou o Brasil desta área, quando já havia sido, “no começo da década de 1980, dos poucos países em que empresas sob controle local conseguiram suprir parte significativa do mercado interno com minicomputadores com marcas e tecnologias próprias… com sucesso econômico e técnico” (Ivan da Costa Marques, “Minicomputadores brasileiros nos anos 1970: uma reserva de mercado democrática em meio ao autoritarismo”, História, Ciência, Saúde, vol.10(2):657-81, maio-agosto 2003, Manguinhos, RJ).
A atualização tecnológica é fundamental para que o Brasil possa voltar a ser o país industrializado, substituindo importações, como nos anos 1960/1970.
Outros segmentos da Soberania são a energia e o transporte. O Brasil tem todas condições para estar na ponta tecnológica, exceto pelo interesse político, dominado por mesquinhos interesses pessoais e alienadas sujeições ao capital estrangeiro.
Para que esta capacitação sirva aos brasileiros, é indispensável trabalhar na permanente construção da cidadania. Esta exige que a instrução seja laica, universal e gratuita da creche às pós-graduações. Que o Sistema Único de Saúde (SUS) esteja aparelhado para atender a todas mazelas que aflijam nosso povo, dando especial atenção às medidas preventivas, como à ampla vacinação. Se os recursos, que são hoje dirigidos para enriquecer os rentistas financeiros, forem alocados à educação e à saúde, isso será conseguido.
Também que se invista na urbanização, no saneamento básico e na construção civil para a que moradia saudável seja a realidade de todos, assim como no transporte para mobilidade urbana.
E, indispensável à vida civilizada, a garantia dos direitos e o acesso à informação. A garantia dos direitos é a soma dos segmentos da inteligência, policial e militar, com suas forças operacionais e a ação judicial. Estes propósitos e projetos fazem do nacional trabalhismo a ideologia desejada para todos os brasileiros.
(*) Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.