Ao contrário de tantos outros chefes de Estado e de Governo que se precipitaram a telefonar para Trump e servilmente festejá-lo, não para cumprimentá-lo civilizadamente por sua eleição, Lula não telefonou, não bajulou, não rastejou. Preferiu uma alternativa à altura de um país e de um governo que se respeitam a si mesmos.
Entre os mais pressurosos, destacou-se o Primeiro-Ministro da Inglaterra, Keir Starmer, que nem esperou o resultado final. Lula, em mensagem em suas redes sociais, cumprimentou Trump e logo chamou sua atenção para as responsabilidades que ambos compartilham diante da crise climática e do futuro do planeta.
Não se tratava de arrogância, nem do exibicionismo de dizer que não tem medo de “cachorro grande”. Tratava-se, de fato, de deixar claras as linhas mestras da melhor convivência possível entre os dois governos, num mundo já multipolar, em que o Brasil é peça importante em mecanismos internacionais como o G20 e os Brics, e tem entre seus maiores parceiros econômicos tanto a China quanto os Estados Unidos.
Imediatamente depois da eleição de Trump, a primeira visita internacional que Lula recebe é a de Xi Jinping, Presidente da China, já na próxima semana, depois da reunião do G20 no Rio. Outro presidente e outro governo talvez preferissem evitar a visita do maior rival do novo governo norte-americano, precisamente no momento em que esse novo governo afia as garras para mostrar seu poder.
Lula, porém, mostra-se tranquilo, sem a menor insegurança, o que ficou claro dias atrás, numa entrevista do embaixador Celso Amorim, seu ex-Ministro das Relações Exteriores e hoje assessor internacional com uma liberdade de ação e movimento que não tinha no Ministério — todo ele amarrado por regras rígidas de protocolo e cerimonial.
Embora tenha manifestado ser simpatizante do Partido Democrata e tenha lembrado que Lula defendeu publicamente a candidatura de Kamala Harris, Amorim pediu atenção para o que considera um dado “positivo”.
— Claro, esse ponto pode ser muito pequeno, mas, se você não se concentra nele, vale tudo. No caso de Trump, esse ponto seria uma dose de realismo, que pode ser útil.
— Trump tem uma tendência a respeitar “líderes fortes”, que sabem que são fortes, o que poderia facilitar o estabelecimento de um diálogo de formato diferente.
Trump sabe que Lula é muito forte, política e pessoalmente, tanto pelo que já fez e está fazendo, quanto por uma história de vida que inclui os 580 dias em que foi mantido na prisão para possibilitar a eleição de um tipo como Bolsonaro.
Em apoio a essa história de vida, Lula tem a massa crítica da inserção do Brasil num cenário de “multipolaridade civilizada”, como a chama Amorim.
— Um amigo — contou ele na entrevista — me perguntou por que o Brasil se esforça tanto pelos Brics. E eu disse: para reforçar o G20. Porque o G20 é o que há de mais próximo de um fórum equilibrado. Um Brics mais forte torna o G20 mais forte.
E torna o Brasil ainda mais resistente a qualquer tentação ou tentativa contra sua soberania. No caso de Lula, Trump sabe muito bem com quem vai estar falando.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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