Nesta terça-feira (5), completam-se 9 anos do desastre causado pela Vale e BHP
“Nós queremos ver essa empresa no banco dos réus, e a gente quer ver ela pagar o desastre que ela fez”
Após uma década, a comunidade Gerú Tukunã, do povo Pataxó, voltou a fazer a tradicional festa de batismo das crianças no rio Corrente, que banha a aldeia. Ainda assim, foi bem diferente de como os mais antigos se lembravam.
“Ela ainda tá barrenta, antes era toda clarinha, tu via os peixes tudo nadando nela”, relata o cacique Bayara sobre a água do rio, que revela a olho nu o estrago pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), há nove anos.
A decisão de voltar a realizar os rituais no rio, mesmo com as recorrentes contaminações de quem tenta comer algum peixe dali ou usar a água para outro fim, veio por uma trágica constatação do cacique.
“Nosso rio vai rolar 200 anos sem voltar a ser o que era”, afirma em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (5).
A aldeia Gerú Tukunã fica próximo a divisa com o estado do Espírito Santo, já no meio do caminho por onde a lama tóxica percorreu até chegar ao mar, na cidade de Linhares (ES), onde o rio Doce desagua.
No final de outubro, o cacique esteve em Londres, junto como a comitiva do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) para acompanhar os primeiros dias do julgamento contra a BHP Billington, empresa que, junto com a Vale, é dona Samarco – que administrava a barragem rompida em 2015.
“Nós queremos ver essa empresa no banco dos réus, e a gente quer ver ela pagar o desastre que ela fez. Não é só aqui no Brasil. Ela continuou nos outros países fazendo o mesmo desastre, nada acontece com ela.”
Para o cacique, o julgamento de lá é a grande esperança de receber algum tipo de reparação, porque as medidas apresentadas ao longo dos últimos nove anos, incluindo o novo acordo firmado pelo governo federal, são de “abandono” para a comunidade.
“Essa pactuação que governo federal assinou é um ‘cala a boca’, que ninguém nem vai ver isso. Isso não considera a vida dessas pessoas, a memória dessas pessoas, a saúde dessas pessoas”, diz. “Até hoje nós não recebemos um centavo. Continuou a mesma coisa, nós não recebemos nem uma reparação de bens, nunca recebemos nada”.
O território indígena, que até hoje não foi regularizado, começou a ser ocupado na década de 1970, quando parte dos Pataxó do Sul da Bahia se dispersaram depois de sucessivos episódios de violência contra o povo.
Ate hoje a comunidade vive sob pressão de fazendeiros de regiões próximas que tentam reduzir o território.
No entanto, até aquele 5 de novembro de 2015, as famílias tinham condições de autossustento, lembra o cacique: “aqui era o berçário dos peixes, eles vinham desovar aqui dentro, porque aqui tem mata, tem barranco pro peixe desovar”.
“Para a gente é uma memória perdida, porque você fazia as festas, as brincadeiras nesses rios, você pescava e hoje você tem que comprar um peixe que produzem em outro lugar, longe daqui, porque se pegar um da região pode ser que fique doente”.
Confira a entrevista na íntegra
Quais foram os impactos na comunidade? A lama chegou até a casa de vocês?
A lama não chegou dentro da nossa comunidade. A nossa comunidade é mais fora um pouquinho, mas atingiu todo o leito do rio Corrente, o leito do rio São Felix.
Aqui era o berçário dos peixes, eles vinham desovar aqui dentro, porque aqui tem mata, tem barranco pro peixe desovar.
Então assim, para a gente é uma memória perdida, porque você fazia as festas, as brincadeiras nesses rios. Você pescava e hoje você tem que comprar um peixe que produzem em outro lugar, longe daqui, porque se pegar um da região pode ser que fique doente.
É um dia muito triste, né, dia 5 de novembro. Um dia muito triste, da muita lama, desde Mariana até o Espírito Santo. Foi assim, um desastre total para a gente como comunidade tradicional.
Como vocês avaliam esse novo acordo celebrado pelo governo federal?
Eu vejo que esse acordo que o governo fez com os atingido só vai beneficiar o próprio governo.
O nosso rio vai rolar 200 anos sem voltar a ser o que era. Foram muitos peixes mortos, vidas perdidas, acabou com a sustentabilidade de várias famílias.
Vai ficar na história dos povos indígenas, porque eu vejo o seguinte, hoje os peixes que a gente tinha aqui no nosso rio, o rio São Felix, o rio Corrente, acabou tudo, hoje você não tem mais o que tirar deles.
E não só isso, o que nós fazíamos culturalmente, a nossa festa, as brincadeiras no rio, nossos batizados aqui no São Felix, na beira do Rio Corrente, entrou lama.
Nós ficamos quase 10 anos sem fazer a nossa brincadeira. Agora que a gente começou a voltar a fazer as brincadeiras da gente.
As plantas medicinais que nós tirávamos para fazer os remédios, hoje, você não tem mais. Então, assim, é uma preocupação muito grande do nosso povo.
É um desastre que não vai sair da memória do nosso povo nunca.
A grande empresa mineradora hoje ela vê é o lucro de explorar nosso território brasileiro, levar riqueza para fora e casando danos à população, igual tem a represa de Barões de Cocais e as outras represas em Ouro Preto, que é um fracasso total, se não tiver uma reparação, vai sofrer outro desastre novamente.
Essa pactuação que o governo federal assinou, isso é um ‘cala a boca’, que ninguém nem vai ver isso, isso não considera a vida dessas pessoas, a memória dessas pessoas, a saúde dessas pessoas.
Quem vai pagar a vida? Essa destruição daqui, de Minas Gerais, Espírito Santo, lá no Espírito Santo, nós temos o povo Tupiniquim que acabou tudo, perderam todo o manguezal, acabou tudo.
Nesses nove anos, vocês receberam algum tipo de auxílio ou reparação?
Até hoje nós não recebemos um centavo, continuou a mesma coisa, nós não recebemos nem uma reparação de bens, nunca recebemos nada.
O governo federal fazia esse acordo, mas não chegou nenhum advogado, não chegou ninguém na nossa comunidade para discutir qual é a nossa necessidade, nós não recebemos um galão de água.
Nós estamos com o processo em Londres, e a gente vai continuar com o processo lá. Eu acho que lá que vai ter uma definição que a empresa vai ter que arcar com a consequência dela.
Eu estive lá em Londres com o pessoal do MAB e o pessoal da comunidade quilombolas de Bento Rodrigues, lá de Mariana.
Nós queremos ver essa empresa no banco dos réus. A gente quer ver ela pagar o desastre que ela fez. Não é só aqui no Brasil. Ela continuou nos outros países fazendo o mesmo desastre, nada acontece com ela.