Entre 5 e 8 de junho realiza-se o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF). O SPIEF, ao longo dos últimos 26 anos, consolidou-se como evento internacional, centrado em questões-chave da agenda econômica global. Fornece uma plataforma para os participantes trocarem as melhores práticas e conhecimentos no interesse do desenvolvimento sustentável.
O SPIEF é realizado anualmente desde 1997, período conturbado da história política russa, que, nos dois últimos anos da presidência de Boris Iéltsin (10/07/1991-31/12/1999), teve quatro Primeiros Ministros (Viktor Chernomyrdin, Sergey Krienko, Yevgeny Primakov e Sergei Stepashin) até Vladimir Putin assumir o cargo, em 09/08/1999.
Desde 2005, vem sendo realizado sob os auspícios do Presidente da Federação Russa (Rússia), que também participa dos eventos.
Desde a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 26 de dezembro de 1991, as antigas repúblicas socialistas, que vinham sendo corrompidas pelo capital financeiro internacional, desregulado na década de 1980, ficaram sem a estrutura do Estado Soviético e sem substituto. Foi período de grande balbúrdia, desgoverno, paraíso para o capital financeiro e grupos marginais, como a sequência de primeiros ministros, em dois anos, deixa perceber.
Provavelmente, foram estes mesmos capitais que criaram, em 1971, o Fórum Econômico Mundial (FEM) em Davos, na Suíça, para disciplinar e homogeneizar sua atuação no Planeta, e que promoveram, para a continental URSS, o mundo econômico específico para o pós-comunismo.
De 1997 até 2002, apenas dois dirigentes participaram do SPIEF: o social democrata tcheco, nascido na Boêmia alemã, Milos Zeman, presidente da República Tcheca de 2013 a 2023, responsável pela adesão da República à União Europeia (UE); e o presidente da República do Belarus, Alexander Lukashenko, bielorrusso nascido em 1954, que desde 1994 governa seu país. Lukashenko é personagem controverso, os EUA e a UE proibiram a entrega de vistos para ele e a sua família, mas é considerado exitoso na passagem do comunismo para o capitalismo em Belarus, tendo firmado alianças com a Rússia e a República Popular da China (China).
Desde a ascensão de Vladimir Putin ao governo da Rússia, o SPIEF passou a ser um espaço de debates do mundo multipolar, participando dirigentes e personalidades asiáticos, africanos, europeus e latino-americanos.
Em 2023, mais de 17.000 participantes de 130 países participaram do SPIEF nos formatos real e virtual. Além das tradicionais questões sobre economia e operações militares especiais, tratou-se igualmente das ações agressivas do Ocidente à Rússia e outros países que não comungam do mundo unipolar, financeiro e belicoso.
Os cinco blocos temáticos do SPIEF 2023 foram:
1) A economia mundial na época de uma virada global,
2) A economia russa: da adaptação ao crescimento,
3) Construindo a soberania tecnológica,
4) Conservação da nação e qualidade de vida como uma prioridade, e
5) Mercado de trabalho: resposta aos novos desafios.
Os convidados de honra do Fórum foram o presidente da República Popular Democrática da Argélia, o presidente da República de Armênia, o presidente da Ossétia do Sul, o presidente da República de Cuba, mais de 150 altos funcionários, chefes de organizações e associações internacionais, ministros das Relações Exteriores, chefes de missões diplomáticas. As mais numerosas foram as delegações dos Emirados Árabes Unidos, China, Índia, Mianmar, Cazaquistão, Cuba e EUA. Mais de 6.000 representantes de empresas russas e estrangeiras de mais de 3.000 empresas de 75 países e territórios participaram do Fórum (transcrito do material de divulgação do Fórum 2024).
Além da programação oficial houve eventos culturais, esportivos e um programa de negócios especialmente organizado para os participantes do SPIEF 2023. A partir de 2016, os principais eventos do SPIEF são realizados no Centro de Convenções e Exposições ExpoForum.
SIGNIFICADO DO SPIEF
O mundo neoliberal está em crise. Desde 1980, quando obteve as desregulações financeiras, verdadeiro “laissez passez” para as finanças, o que não se encontra para qualquer outra atividade econômica, permitiu, em uma década, decuplicar o número de “paraísos fiscais” pelo mundo, desde um bairro, a “City”, em Londres (Reino Unido), estados dos EUA (Dakota do Sul, Delaware, Nevada e Wyoming) até países de diversificadas dimensões e populações tais como Andorra, Brunei, Catar, Djibuti, Essuatini (ex- Suazilândia), Gâmbia, Honduras, Luxemburgo, Mônaco, Panamá, Samoa, Uruguai entre muitos outros.
Com as finanças desreguladas e domiciliadas fora do alcance de leis nacionais, o mundo industrializado, que embarcou na canoa neoliberal, vem conhecendo desemprego e retrocesso tecnológico.
E isso se constata facilmente, exceto pela leitura da mídia controlada pelas finanças, e até mesmo pela publicidade desta, com o crescimento econômico e tecnológico da China, do Vietnã, da Índia, da Rússia e do contexto euroasiático e africano, principalmente se comparados com os países europeus ocidentais e latino-americanos, submissos aos EUA, que também retrocedem e incentivam guerras contra a Rússia, contra os países árabes, contra os palestinos e povos asiáticos.
O Fórum de São Petersburgo não tem a divulgação das mídias ocidentais, como ocorre com o de Davos, na Suíça. Mas tem comparecimento de chefes de Estado como não ocorre com o das finanças apátridas na cidade suíça.
Passa para as colônias financeiras, como o Brasil, a percepção errônea que o mundo segue Davos, quando a maioria dos países, para não falar da população mundial, está com olhos em São Petersburgo. Males da ignorância, projeto permanente das ações colonizadoras.
Em 27 de maio de 2024, o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, postou, em seu site oficial, saudação aos participantes, organizadores e convidados do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo 2024, cujo lema é “A Fundação de Novas Áreas de Crescimento como Pedra Angular de um mundo multipolar”.
Nesta saudação, o chefe de Estado russo observou que o país está aberto ao diálogo construtivo e à interação com os parceiros, e está pronto para trabalhar em conjunto para resolver os problemas econômicos, sociais, científicos e tecnológicos atuais.
Disse na mensagem: “Uma parte cada vez maior da comunidade global deseja ver um sistema justo e democrático de relações internacionais baseado nos princípios da verdadeira igualdade, na consideração dos interesses legítimos de cada um e no respeito pela diversidade cultural e civilizacional dos Estados e dos povos. Estes são os princípios que fundamentam as atividades dos BRICS, que a Rússia preside este ano. É simbólico que a história desta associação em desenvolvimento dinâmico, cujos membros já representam mais de um terço da economia global, possa ser rastreada até ao 10º Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, realizado em 2006”.
Ao associar o Fórum de São Petersburgo aos BRICS, Putin mostra que é possível e triunfante a colaboração mundial fora da colonização, processo de relacionamento que os europeus adotam desde o início da Idade Moderna e foi seguido pelos estadunidenses ao aplicarem a Doutrina Monroe (02/12/1823), reforçada pelo “Destino Manifesto”, de 1845.
Vladimir Putin também afirmou estar confiante de que este 27º Fórum proporcionará o pontapé inicial para novas iniciativas e projetos promissores e que ajudará a construir novo patamar na cooperação mutuamente benéfica entre países e povos.
Em 30 de maio de 2024, o noticioso Middle East Monitor (MEMO) publicou sobre o 27º SPIEF:
“No evento estão presentes todos os ramos da economia e a esfera não produtiva. São estes: Serviços Financeiros e de Seguros; Indústria (de transformação); Tecnologia da Informação; Saúde; Educação e Ciência; Consultoria; Comércio; Telecomunicações e Comunicações.
Já os ramos específicos de negócios são: Construção; Logística e Transporte; Imobiliário; Hotelaria e Turismo; Administração e Direito; Agricultura e Silvicultura; Mineração e Holdings Multissetoriais.
A arquitetura financeira de apoio às conversações e possibilidades negociais é formada por reuniões com representantes dos BRICS, da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) — fundada em 2001 e composta da China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Uzbequistão, Índia, Paquistão e Irã, da União Econômica Euroasiática (UEE) e da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), formada pela Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Brunei, Tailândia, Vietnã, Laos, Mianmar e Camboja”.
Alguns conceitos, divulgados com o empoderamento do neoliberalismo e o domínio das finanças nos Estados Nacionais, serão objeto de debate, tais como o da globalização, que destrói as características dos Estados Nacionais, das suas condições específicas da natureza física e cultural, da entrega do poder, da soberania, aos mais fortes, o que significa extinguir a autonomia dos países, e que a cooperação internacional e o diálogo empresarial com respeito mútuo são possíveis como se observa nos BRICS, na OCX, na ASEAN, na UEE e na Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), a nova Rota da Seda, que congrega mais de 150 países.
Na América do Sul, apenas o presidente da Bolívia, Luis Alberto Arce (1963), havia confirmado sua participação. Os presidentes do Brasil, colônia financeira desde 1990, não têm sido participantes dos SPIEF, mas o presidente Jair Bolsonaro participou, por videoconferência, em 2021.
As quedas no poder econômico do dólar estadunidense, das forças armadas dos EUA, na capacidade de influenciar, exceto pelo fomento de guerras, as relações internacionais, fazem de encontros como do SPIEF, cada vez mais relevantes e responsáveis pelo congraçamento das nações.
Um exemplo é o destaque dado à saúde, neste 27º SPIEF. As questões de segurança de medicamentos, dos desenvolvimentos científicos avançados em medicina e farmácia, na cultura física e nos esportes, ocuparam tópico específico sob o título: “A saúde nacional é o recurso econômico mais importante”.
O que alarga a colaboração para além dos aspectos diretamente financeiros que constitui o título do Fórum.
O mundo multipolar se amplia. Apenas os membros da OCX respondem por mais de 70% do território eurasiático, quase metade da população mundial e mais de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2021, ou seja, antes do ingresso do Irã.
Em 2022, o PIB do BRICS, então com cinco países membros, atingiu US$ 25,9 trilhões, com o acréscimo da Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Irã e da Arábia Saudita, saltou para 30,7 trilhões de dólares estadunidenses, ou seja, 29,1% do PIB mundial (dados do Banco Mundial).
Manter-se fora dos encontros da multipolaridade é se afastar dos novos rumos do mundo.
(*) Por Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.