Início do segundo semestre de 1982.
Eleições pra governador, senador, deputados, prefeitos e vereadores, menos pra presidente da República, a ditadura estrebuchava mas ainda não permitia que o povo elegesse o chefe da nação.
Num domingo fomos percorrer a zona rural à cata de votos.
Inhaúmas, Nova Franca, São Francisco…
Paramos em Mocambo e visitamos várias casas.
Numa delas morava um jovem de menos de 30 anos.
Na ocasião, ele nos mostrou um telefone movido a pilha montado por ele mesmo com o qual se comunicava com a sua própria mãe que vivia a uns 5 quilômetros de distância da sede daquele povoado.
Depois, nos levou pros estúdios da Rádio Planalto, também criada por ele.
Sem exagero, esse técnico mereceria o título de precursor das rádios comunitárias. A emissora, pirataria à parte, atingia um raio de aproximadamente 10 quilômetros no entorno de Mocambo.
Nosso comício foi transmitido ao vivo pela emissora.
O cenário foi interessante e, de certa forma, cômico: enquanto os candidatos discursavam, na plateia os assistentes sintonizavam a Planalto e ouviam os pronunciamentos também pelo radinho de pilha.
Ficamos impressionados com a genialidade daquele rapaz que frequentou a escola até a 2ª ou 3ª série primária, que nem o genial pintor Candido Portinari.
Domingos Leonelli e Luiz Umberto, candidatos a deputado federal e estadual respectivamente, não escondiam a estupefação com a capacidade criativa do rurícola.
Com razão.
Como é que uma pessoa pouco letrada, habitando num longínquo rincão desta Bahia profunda, foi capaz de realizar tais proezas, se valendo apenas de alguns cadernos do Instituto Universal Brasileiro para obter algum embasamento teórico e aprimorar sua técnica?
Tracei um simples e breve perfil de Josué Marques de Souza, mais um cientista brasileiro nato.
Se tivesse nascido em berço de ouro ou vivendo num país que cuidasse do seu povo e da sua cultura, ele estaria ministrando aulas nas universidades e aprofundando seus conhecimentos para o bem da ciência e para a ciência do bem.
Sem sombra de dúvida.
Há tempos ele vive na sede em Santa Maria tocando a eletrônica EletroSouza.
Biblioteca Campesina, 14.abril.2019
PS> Josué faleceu no domingo 9, em decorrência de problemas de saúde, em Goiânia.
PS2> este perfil não foi publicado na época em que foi escrito porque, por motivo de força maior, o perfilado achou por bem que não fosse levado a público.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.