Abrigado na Florida junto com Bolsonaro nos últimos dias de dezembro de 2022, o tenente-coronel Mauro Cid não deixou de cumprimentar os amigos pela iminente chegada de um Ano Novo, o de 2023, do qual ainda esperava muito, apesar da situação de quase asilo territorial em que estavam ele e o chefe.Nas últimas horas do ano de 2022 e do mandato presidencial de Bolsonaro, Mauro Cid aproveitou a mensagem de cumprimentos a um amigo no Brasil, via whats app, para encaixar nela uma palavra de ordem que talvez fosse uma senha para confirmar alguma convocação. O destinatário era um militar apontado no recente relatório da Policia Federal como “arrecadador” de recursos para os acampamentos golpistas montados na frente dos quarteis – arrecadador que naturalmente passaria adiante a mensagem de Mauro Cid e as expectativas nela ecerradas.— Esses últimos meses – escreveu Mauro Cid – vão ficar marcados na história! A guerra não acabou!Achando insuficiente o ponto de exclamação, Mauro Cid repetiu em maiúsculas, no melhor estilo de rump:— A GUERRA NÃO ACABOU! A história não se escreve em dias… muitas vezes uma página nos livros de história são meses e até anos!A essa reflexão filosófica, Mauro Cid acrescentou uma convocação explícita:— Sei que minha cabeça está a prêmio… sei que posso ser preso…mas pela nossa liberdade vai valer a pena! Ainda não terminou… Não estamos fazendo mais pelo PR [PR, sigla de Presidente da República, no caso, Bolsonaro] e sim pelo Brasil… pelos nossos filhos e netos (…) Passe ânimo para o nosso pessoal! Não deixe esmorecer! Não é pelo PR. é pelo BRASIL! VAMOS VENCER!A quantas pessoas, nos acampamentos e fora deles, terá o destinatário dessa mensagem passado ânimo suficiente para não esmorecer e incorporar-se, uma semana depois, à invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo? E quantas estarão entre as 265 já condenadas ou, com mais sorte, entre as 476 que conseguiram safar-se a algum preço com acordos de delação premiada?Mauro Cid está solto, integrante do grupo de 476 réus beneficiados por esses acordos. E será que se pergunta sobre a própria responsabilidade moral diante dos 265 invasores do 8 de janeiro já condenados (alguns a penas pesadas de até 17 anos de prisão)?Em seguida às revelações do relatório da PF, o Supremo deu início ao julgamento sobre a responsabilidade das redes sociais pelo conteúdo de manifestações dos usuários. O Advogado Geral da União, Jorge Messias, lembrou que durante os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 teve de pedir ao ministro Alexandre de Moraes que determinasse a retirada de conteúdos das redes sociais que transmitiam ao vivo a invasão ao Congresso, ao Palácio do Planalto e ao Supremo. E só com a decisão de Moraes as plataformas digitais tomaram providências.Moraes, por sua vez, sustentou que os acontecimentos do 8 de janeiro demonstraram a falência total do sistema de autorregulação das plataformas.— É faticamente impossível defender, após o dia 8 de janeiro -– disse ele – que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta, instrumentalização e, lamentavelmente, parte de conivência. Por que digo de falência? Falência porque tudo foi organizado pelas redes, ou parte das redes.A mensagem de Ano Novo de Mauro Cid ao camarada arrecadador foi parte da organização do 8 de janeiro. Se foi uma fração matematicamente muito pequena da onda que mobilizou tanta gente dos acampamentos e fora deles para o levante, ela foi, politicamente, um fator de muito peso, pela proximidade funcional e física de Mauro Cid com Bolsonaro.Tanto essa mensagem como a transmissão ao vivo das invasões são parte das questões que o Supremo começou a enfrentar e das responsabilidades morais pelo destino dos 265 já condenados pelo 8 de janeiro.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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