Acossado desde várias frentes pela direita colombiana, que ameaça paralisar o Congresso e congelar um pacote de reformas às leis de saúde, trabalho e aposentadorias, o presidente Gustavo Petro elevou o tom e assinalou ante a multidão que saiu em seu apoio: “que não se atrevam a romper com a democracia porque se encontrarão com um gigante: o povo da Colômbia nas ruas deste país”.
Petro denunciou novamente indícios de que se forja contra ele um golpe de Estado ou golpe suave e advertiu que os setores que atiçaram nos últimos dias uma crise política a partir de um escândalo de duvidoso pano de fundo querem “fazer o mesmo que no Peru, levar o presidente ao cárcere, mudar o governo e colocar um novo presidente não eleito. E isso se chama golpe de Estado”.
É o golpe da direita e do grande capital contra suas reformas. Não querem saúde gratuita, trabalho digno e um bônus previdenciário para que qualquer idoso ou idosa tenham um sustento para poder existir [dignamente]. Durante seu discurso insistiu em que há um plano para “destruir o apoio popular do Governo” e deixá-lo só. Contundente contra os meios de comunicação e os grupos econômicos, aos quais acusou de exercer pressão para afundar as reformas sociais [previdenciária, trabalhista e da saúde] no Congresso e disse que há intenções de tirá-lo do poder através de investigações na Comissão de Acusações da Câmara de Representantes.
O mandatário anunciou a proposta de duas novas reformas: dos serviços públicos e da educação. “Vamos pela reforma dos serviços públicos, para que o eixo do serviço não seja o empresário mas sim o usuário”, assegurou. Esta reforma chega depois que o Conselho de Estado suspendera o decreto 0227 de 2023, com o qual o presidente Petro assumia o controle da regulação dos serviços públicos. Falou de uma reforma na educação, especificamente na Lei 30 de 1992, pela qual se organiza o serviço público da Educação Superior. Segundo disse, este é um mandato popular, “para que a juventude possa acessar o direito de se educar”.
O governo de Petro foi levado a uma grave convulsão política devido ao escândalo que envolve a ex-chefa de gabinete Laura Sarabia, e ao ex-embaixador na Venezuela, Armando Benedetti, afastados da administração pelo Presidente desde a sexta-feira passada.
A crise remonta a janeiro deste ano, quando Sarabia denunciou o roubo de uma maleta com milhares de dólares em seu domicílio. Em fins de maio, um meio de comunicação publicou uma entrevista com Marelbys Meza, quem trabalhava como babá para Sarabia e assegura que a funcionária a deteve e a submeteu a interrogatório com detector de mentiras durante quatro horas no sótão de um edifício anexo à residência presidencial.
As acusações de Meza renderam maior notoriedade por incluir supostas intercepções telefônicas ilegais, uma prática que se identifica com o autoritarismo de ultra direita do ex-presidente Álvaro Uribe, ferrenho crítico e rival político de Petro.
Ademais, o promotor geral, Francisco Barbosa, atraiu com inusitada pressa o caso e em poucos dias o converteu numa bandeira de sua gestão. Cabe recordar que Barbosa foi nomeado pelo ex-presidente Iván Duque, discípulo político de Uribe e companheiro de estudos do promotor.
Em dezembro o Executivo deve enviar ao Congresso uma lista tríplice para substituí-lo, pelo que as investigações se leem como um intento de sabotar a chegada de um sucessor que investigue os graves excessos de Duque. A procuradora geral, Margarita Cabello [encarregada de perseguir as irregularidades cometidas por servidores públicos], empreendeu uma campanha para reduzir a representação da coalizão governante no Congresso suspendendo os direitos políticos dos legisladores oficialistas, uma medida que desde 2014 foi desautorizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos [Coridh]. Semanas atrás, o ex-diretor da Associação de Oficiais Reformados das Forças Armadas [Acore], John Marulanda, assegurou que os efetivos na reserva farão o melhor para defenestrar a um tipo que foi guerrilheiro, em referência a Petro, quem pertenceu ao M-19. Marulanda chamou os fardados a atuarem contra o mandatário tal como os militares peruanos procederam com o deposto Pedro Castillo, quem contempla desde o cárcere a submissão dos golpistas ao neocolonialismo estadunidense, assim como a violência repressiva promovida pela usurpadora Dina Boluarte.
Colômbia assiste a um episódio de lawfare como os que levaram à derrocada de Dilma Rousseff e o encarceramento de Luis Inácio Lula da Silva, no Brasil, e de Fernando Lugo no Paraguai, ou como o assédio judicial na Argentina contra a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner.
A pacificação, prioritária
O mandatário, que assumiu o mando há 10 meses, também anunciou que hoje viaja a Havana para uma roda de negociações com o Exército de Libertação Nacional [ELN] na qual se espera firmar um cessar-fogo.
O cenário de crise se agravou nas últimas semanas a partir do que os meios [de comunicação] e personalidades dos partidos da oposição direitista e ultra direitista insistem em qualificar de o maior escândalo de corrupção nos últimos tempos, como cabeça de praia de uma estratégia de golpe suave. Começou por uma triangulação de um conflito pessoal entre o agora ex-embaixador da Colômbia na Venezuela Armando Benedetti, a assessora do presidente Laura Sarabia e uma babá que supostamente roubou a ambos [fato não provado], temperado por interceptações telefônicas vazadas para a imprensa e acusações de abuso de poder contra ambos.
O pleito subiu de tom com a publicação na revista Semana [cabeça de praia anti-Petro] de mais escutas nas quais Benedetti, diplomata sui generis conhecido por sua indisciplina frente a chancelaria e suas dependências, soltou em meio a impropérios subidos de tom ameaças de dar a conhecer supostos financiamentos do narco à campanha de Petro. Ambos funcionários foram destituídos, porém para a oposição não há outro tema na agenda nacional, ainda que careçam de qualquer prova dos supostos delitos. Os mesmos meios que hoje atiçam o fogo contra Petro se calaram em meados de maio, quando Salvatore Mancuso, ex-chefe da paramilitar Autodefesas Unidas de Colômbia [AUC], rendeu sua primeira audiência ante a Jurisdição Especial para a Paz [JEP], onde confessou como ordenou massacres, esquartejamentos, desaparecimentos e roubo de terras, muitas vezes para cooperar com o exército.
Também calaram quando na última quarta-feira a Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas na zona de Juan Frío, norte de Santander, localizou uma fossa com 200 corpos, enterrados aí pelas AUC a mando do exército. Para essa imprensa, que responde aos grandes capitalistas colombianos, isso não pareceria ser escândalo. Centrais operárias, o magistério, boa parte do movimento estudantil e agremiações políticas afins ao Pacto Histórico, entre eles um grande contingente da União Patriótica, responderam à convocatória de sair às ruas. Ademais da marcha multitudinária da capital, que mobilizou a dezenas de milhares desde a Plaza de la Nación até a histórica Plaza Simón Bolívar, houve concentrações em cerca de 200 municípios.
«Não há que temer, há que mudar», «Petro fica. Adiante com as reformas», «Eu confio em Petro», se lia nos cartazes. Nesta oportunidade, o presidente desceu pra rua, caminhou um curto trecho entre a massa.
E desde a Plaza Simón Bolívar, sobre um pequeno coreto, levantou sua petição aos legisladores do país: solicitamos desde nossa humildade, desde nossas sedes de justiça, que aprovem as reformas que garantam ao povo seus direitos. Isto não é uma solicitação violenta, desrespeitosa, armada. É uma solicitação popular que nasce das entranhas do território excluído, da base da nação.
“Queremos uma eterna Colômbia das exclusões; uma Colômbia onde a imprensa odeia a vice-presidenta por sua cor de pele? Queremos uma Colômbia que leve o indígena ao tronco como nos anos de escravidão ou um indígena que algum dia possa governar este país? Uma Colômbia onde os jovens que saem a protestar se lhes dispare aos olhos?”, perguntou.
O objetivo da paz é o maior desejo da sociedade colombiana. O primeiro requisito é que o país tenha justiça social, acrescentou.
Clausura da negociação de Paz com o ELN
E no marco da Plaza de Bolívar abarrotada por milhares de manifestantes que saíram a expressar seu apoio às reformas propostas pelo atual governo, Petro anunciou que viaja a Havana para encerrar o terceiro ciclo de negociações com o ELN: “Vou firmar um papel que pode significar o começo sem retrocesso de uma era de paz para este país”.
Desde dias atrás se especula com o acordo alcançado na Mesa sobre cessar-fogo bilateral por um período de seis meses. A decisão da Promotoria Geral da Nação de levantar as ordens de captura vigentes contra o comandante Antonio García corresponde à magnitude do alcançado nesta fase da negociação, onde também se debatem temas como a participação da sociedade no processo de construção de paz, assim como ações e dinâmicas humanitárias. Outros cessar-fogos, de pouca duração, foram anunciados durantes estes meses, todos eles como materialização do propósito de Paz Total: um com o Clã do Golfo –paramilitares herdeiros das Autodefesas Unidas de Colômbia-, e outro com o Estado-Maior Central das FARC. Em ambos casos, tudo está em suspenso devido à violação do acordado por um ou outro setor, por um ou outro motivo, e tal propósito está por se retomar.
As invasões da Promotoria
Durante seu discurso na marcha a favor das reformas sociais, o presidente voltou a se referir ao escândalo de Laura Sarabia e Armando Benedetti, que envolve supostas “escutas telefônicas”. O mandatário disse que as portas da presidência estão abertas a qualquer investigação: “não temos nada que ocultar”. Horas antes do presidente sair às ruas para marchar junto àqueles que reivindicam a aprovação de suas reformas, agentes da Promotoria tomaram o 13º andar do edifício da Dian, onde, ao que parece, funciona um gabinete de segurança da Presidência e o ente investigador trata de averiguar se desde aí se haveria interceptado o celular de Marelbys Meza, a ex-babá de Laura Sarabia. Petro recordou também que sua campanha presidencial foi objeto de interceptações ilegais que nenhuma autoridade investigou.
Petro se referiu a governos anteriores e assegurou que “não ‘grampeamos’, não golpeamos as pessoas humildes; não destruímos os olhos da juventude, não torturamos nas masmorras, não grampeamos [telefones de] magistrados, jornalistas, gente da oposição, não violamos os direitos da humanidade”. Disse que as acusações contra ele carecem de ética e que não tem medo de nenhuma investigação. Porém, a maquinaria do golpe suave parece não se deter. Ao tempo em que Petro pediu apoio para suas reformas, a Comissão Sétima do Senado adiou o debate da reforma previdenciária, pois não alcançou conseguir quórum. Esta tem sido uma estratégia usada pela oposição e pelos partidos de direita para não debater os projetos.
*Economista e docente universitário colombiano, analista associado ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica [CLAE].
(*) Por Camilo Rengifo Marín | 10/06/2023 | Colômbia. Tradução > Joaquim Lisboa Neto, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
Acesse www.estrategia.la)https://estrategia.la/2023/06/08/colombia-el-pueblo-salio-a-la-calle-a-respaldar-las-reformas-del-presidente/
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Fontes: CLAE – Fotos: Prensa Latina
Por Camilo Rengifo Marín | 10/06/2023 | Colômbia
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