Escutar é diferente de ouvir. Escutar pessoas de fora dos quadros partidários é mais do que essencial. Por isso, li e anotei o que nos diz o jurista e filósofo Alysson Mascaro:
“A esquerda não saiu do buraco nas eleições municipais. Conseguiu apenas algumas prefeituras municipais. O resultado foi pífio – e até chocante”. Vai mais longe: “a sociedade brasileira foi politizada pela direita, e a esquerda não politiza. Não sabe e não quer fazer isso”. Mais: “a esquerda sofreu um “strike” na eleição municipal”. Falou e disse! Estamos falando das eleições de 2024.
Há tempos nosso partido deixou de realizar formação política, não aquela coisa ortodoxa do passado, mas o real debate sobre o Brasil, sobre a cidade em que vivemos. De 2009 a 2012, presidi o PT municipal, realizando almoços com debates, rodas de conversas semanais, sobre a política cotidiana. Ficou no passado.
A Fundação Perseu Abramo formal e burocraticamente tem cursos e ações importantes, mas não chega à base do partido.
Acabamos falando de nós para nós, os de sempre, ditos “politizados”, mas que ainda andam lendo “Estado e Revolução”, desconhecendo, por exemplo, Zigmunt Bauman. Ah, uma minoria conhece Hannah Arendt.
No passado, como escrevi nos dois volumes de Memórias do PT gaúcho, as tendências, correntes – que nome horroroso – os núcleos de base, as plenárias, os cursos de formação tinham forte influência nos debates e na elaboração de nossas políticas, mas as tendências deixaram de ser um campo de ideias. Estas são expressão de mandatos, às vezes, uma dobradinha entre federal e estadual, mais alguns vereadores e dirigentes. Logo, são os mandatos que capturaram o partido, tudo girando em torno de seus interesses eleitorais.
Houve e há um processo de acomodação em curso, em detrimento da rebeldia e da ousadia.
Nossa “ousadia” se confunde em xingar adversários, repetir o mesmo “card” em algumas dezenas de grupos de WhatsApp do qual participamos.
Temos parlamentares que são o reverso da medalha do adversário da direita que nos achincalha. É bom perguntar: o que isso pode educar a população capturada pela ideologia de direita?
Nos anos 70 e 80, se alguém ousasse dizer que era de direita, era execrado, agora o motorista explorado pelo Uber faz questão de nos dizer que é de direita, com orgulho.
Com a lógica dos mandatos parlamentares, criam-se máquinas de reeleição, em especial em nível federal, não há espaços para a reação, para a criatividade, para a militância despojada, voluntariosa. Nas campanhas, o que impera é o distribuidor de panfleto pago.
Nosso partido deve atentar para manchetes como esta: “Prefeita mais votada no Brasil diz que PT precisa rever estratégia política e Lula deve reforçar diálogo”. Quem é ela?
Eleita em Contagem (MG) pela quarta vez, a prefeita Marília Campos (PT) conquista votos até de bolsonaristas, nos diz a matéria.
A prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), reeleita no primeiro turno com 61% dos votos válidos, afirma que o Partido dos Trabalhadores precisa revisar sua estratégia política, afastando-se da polarização e de discursos focados em questões identitárias. Com uma aliança que envolveu 13 partidos, ela conquistou 188.228 eleitores e garantiu o quarto mandato à frente da maior cidade comandada pelo PT no Brasil, com 620 mil habitantes.
“Eu conquistei parte do eleitorado que se diz de direita, que votou no Bolsonaro, mas que preferiu fazer uma escolha pautada pela diferença que o nosso governo fez na vida delas”, destacou Marília em entrevista à Folha de São Paulo.
E esta outra manchete fala por si:
“Jessé Souza critica estratégia identitária da esquerda e vê avanço da direita nas periferias.
Sociólogo critica abandono das periferias pela esquerda e alerta para a influência das igrejas evangélicas no avanço da direita.”
Jessé defende o mesmo que nossa prefeita de Contagem, como disse na análise sobre as eleições em Porto Alegre. A esquerda, para mim, o PT precisa, além de pautas de gênero e raça, retomar um diálogo que explique as desigualdades econômicas e as limitações estruturais enfrentadas pela maioria pobre. Temos que ter a coragem de entender que o mérito individual, promovido pelo discurso neoliberal, não pode ser a única resposta à questão social. Temos que adentrar este debate, chegando onde não estamos mais chegando.
Como “rever a estratégia política”, se as orientações não saem mais da instância do partido, mas de papos em cafés entre grupos que representam mandatos e que decidem tudo de cima para baixo?
O debate está circuitado, quando não proibido em nome da “unidade”. Algo que cheira um pouco a política do partidão.
Como imaginar disputas que tivemos, certas ou erradas, no passado: eu disputei a presidência com o governador Olívio! Foi uma disputa de visão que se tinha naquele momento, eu estava mais próximo de Lula então. Isso não diminuiu o respeito pelo Olívio. Pelo contrário, sempre que o encontro – e tem sido frequente – trocamos boas ideias. Além de tudo, ele é o grande responsável pelo incentivo e cobrança de escrever as Memórias do PT gaúcho, com suas edições já feitas.
(*) Adeli Sell é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador.