POR 6 A 2 O SUPREMO CONFIRMA O SALÁRIO MÍNIMO
Outra expectativa dramática, nesses dias, era o decreto do salário-mínimo, contra o qual tinha sido impetrado mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pelo Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem. A 5 de julho, o Supremo decidiu, por 6 votos a 2, que era perfeitamente legal e constitucional o decreto de Getúlio que aumentava em 100% o salário mínimo.
–Em vigor o novo salário mínimo! – anunciara com ponto de exclamação uma das manchetes da Última Hora na manhã seguinte.
No dia seguinte, Getúlio recebe uma representação dos sindicatos de trabalhadores e diz aos visitantes:
– Afinal, vencemos.
Essa vitória seria a última de Getúlio vivo, mas encerrava uma ironia: se o Supremo tivesse derrubado o aumento do salário mínimo, as entidades empresariais e a mídia a elas associada ficariam muito mais sossegadas e a febre do golpe cederia bastante.
A VAIA NO JÓQUEI
Na tarde de domingo, 1º. de agosto, Getúlio chegava ao Jóquei Clube, no Rio, para assistir ao Grande Prêmio Brasil, e foi recebido com uma vaia ao ser anunciada sua presença na tribuna de honra. Segundo a Última Hora, jornal que o apoia, ele foi hostilizado apenas por uma parte do público da tribuna social e imediatamente aplaudido pelo público muito maior das arquibancadas populares, que, assim, calou a vaia.
A vaia, em geral manifestação popular e plebeia, partiu desta vez da tribuna frequentada pelos grupos mais ricos e aristocráticos. A vaia a Getúlio na elegantíssima tribuna social do Jóquei Clube tinha indiscutivelmente duas causas imediatas.
Uma, o aumento de cem por cento do salário mínimo decretado por Getúlio, outra a violenta campanha contra ele de seu mais furioso inimigo político, Carlos Lacerda, tanto em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, de tiragem inexpressiva, quanto nas televisões dos “Diários e Emissoras Associados”, de Assis Chateaubriand, e nas rádios e jornais de Chateaubriand em todos os Estados.
No dia seguinte,o filho mais velho de Getúlio, Lutero, foi visita-lo, preocupado com a reação do pai àquela vaia, caso único em sua longa vida política, e na conversa Getúlio lembrou a derrubada de seu primeiro governo em 1945. E acrescentou:
– Vai acontecer de novo…
Getúlio sabia que já não era perdoado por outras iniciativas, como a Petrobrás e a Eletrobrás, e não seria perdoado pelo novo salário mínimo. E de fato dias depois, na madrugada de 5 de agosto, o atentado contra Carlos Lacerda, no qual morreu o major da Aeronautica Rubens Folentino Vaz, precipitou a crise que tinha como objetivo a derrubada de Getulio e que teria como desfecho seu suicídio, um contragolpe que os adversários não esperavam e, entre outras consequências, como a preservação de todas as suas iniciativas, entre elas a Petrobrás, a Eletrobrás e a legislação trabalhista que vinha de sweu primeiro governo, teve a longo prazo a de adiar por dez anos o golpe de 1964.
O novo governo, presidido pelo Vice Café Filho, não teve coragem e na verdade condições politicas de agir contra a herança de Geulio e foi obrigado até a manter o aumento de 100% do salário mínimo, que, segundo a mídia conservadora, jogaria o Brasil num abismo econômico.
Mas não foi isso que aconteceu. Apesar de tudo que aconteceu desde a decretação do novo mínimo a 1º de maio e sobretudo em razão da crise de agosto, a economia industrial do Brasil cresceu impressionantes 12% no ano de 1954
O Brasil ainda era um país de economia predominantemente agrícola, na qual a legislação trabalhista ainda não beneficiava o traalhador rural. Então o novo salário mínimo valeu sobretudo para os trabalhadores industriais. A julgar pela mídia conservadora, o empresariado industrial deveria ter grandes prejuízos com o pagãmente de um mínimo que dobrava de valor e também com o efeito cascata que ele teria sobre todos os outros salários. Mas o crescimento de 12% da economia industrial fez as empresas do setor lucrarem muito mais que antes.
Getulio tinha toda razão quando disse que era muito difícil fazer a burguesia ganhar anda mais dinheiro.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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