Joaquim Lisboa Neto
Dentre as quase trinta casas nas quais morei em Santa Maria, uma delas se localizava na travessa Salustiano Teixeira, Alto do Menino Deus. Lá vivia eu com Nice e nossos filhos Anima e Eros.
Já era tarde da noite quando a brisa trouxe aos meus ouvidos a música Hey Jude, executada por um saxofonista de forma meio rudimentar, mas como era um clássico da beatlemania me deixei embalar pela canção.
Pela manhã, ao vir para a Biblioteca Campesina, passei em frente a casa do vizinho Antonio Gusmão.
Ele na calçada, aproveitei pra dizer que tinha ouvido na noite anterior a tal música e gostado.
Imediatamente ele falou:
—Era eu tocando!
Se aproveitou da oportunidade pra completar:
—Por sinal, eu já participei de um show com os Beatles nos Estados Unidos. Elvis Presley também cantou nessa noite. A gente ia se revezando no palco e eu fui muito mais aplaudido do que Elvis. Num dos intervalos, John Lennon se dirigiu a mim e disse: “Tonico — era assim que ele me chamava, com intimidade —, junte-se a nós, os Beatles vão fazer muito mais sucesso com você no sax, o quinteto vai ficar sensacional, yeah!”.
Recusei o convite, aleguei pra ele que tinha compromisso importante no Brasil.
O presidente Juscelino Kubitschek não suporta minha ausência, todo dia de manhã, antes dele começar a despachar, tenho que brindar o grande amigo com a interpretação de algumas músicas, especialmente Peixe Vivo.
Você acredita que ele, o grande John Lennon, quase chora no meu ombro?
Claro que acreditei, no ato, mesmo ciente de que estava vendo e ouvindo o maior mentiroso de Santa Maria de todos os tempos.
Outra vez Gusmão me disse, na presença de Clodomir Morais, que de vez em quando Gal Costa –ela mesma, a cantora- aterrissava de helicóptero pela madrugada no quintal da casa dele.
Ficavam apaixonadamente namorando madrugadentro até o sol raiar.
Aí, dizia AG, ela decolava de volta, se mandava, ninguém podia saber desse amor secreto, secret love.
Como veem, nosso personagem, além de grande músico, era também um exímio contador de “menas verdades”.
Ou, para usar um eufemismo, dourar a pílula, um tremendo mitomaníaco.
Biblioteca Campesina, 23 fevereiro 2025
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.