O SETOR ENERGÉTICO
A opção hidráulica como fonte para geração de energia elétrica está presente de forma vigorosa na região amazônica. Dentre seus principais beneficiários destacam-se os setores produtivos eletrointensivos (extração mineral, indústrias siderúrgicas, alumínio primário, dentre outras), que produzem bens primários de baixo valor agregado. Estas atividades caracterizam o processo de inserção da Amazônia no mercado internacional. Para estes setores, a idéia das assim denominadas “vantagens comparativas” proporcionadas pelos grandes projetos hidrelétricos (energia barata), tem servido de argumento para a expansão dos grandes projetos hidrelétricos, apontados como uma alternativa de suprimento energético renovável.
Concebida como uma fonte “limpa” e “barata”, esta opção tem se revelado insustentável do ponto de vista ambiental e social. Este caráter insustentável pode ser estabelecido a partir de critérios que identificam os problemas físico-químico-biológicos decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica, e da sua interação com as características ambientais do seu “lócus” de construção (por exemplo, alteração do regime hidrológico; assoreamento; emissões de gases de efeito estufa a partir da decomposição orgânica no reservatório; entre outros). Critérios que se estendem aos aspectos sociais, particularmente com relação às populações ribeirinhas atingidas pelas obras, e invariavelmente desconsideradas frente à perspectiva da perda irreversível das suas condições de produção e reprodução social, determinada pela formação do reservatório.
Com freqüência, a construção de uma usina hidrelétrica representou para estas populações a destruição de seus projetos de vida, impondo sua expulsão da terra sem apresentar compensações que pudessem, ao menos, assegurar a manutenção de suas condições de reprodução no mesmo nível daquele que se verificava antes da implantação do empreendimento.
No relacionamento das empresas do setor elétrico com as populações atingidas, sempre prevaleceu a estratégia do “fato consumado” praticamente em todos os empreendimentos. Enquanto a alternativa hidrelétrica era sempre apresentada como uma fonte energética “limpa, renovável e barata”, e cada projeto era justificado em nome do interesse público e do progresso, o fato é que as populações ribeirinhas tiveram violentadas suas bases materiais e culturais de existência. As obras promoveram o deslocamento forçado das populações, acompanhado por compensações financeiras irrisórias ou inexistentes; o processo de reassentamento, quando houve, não assegurou a manutenção das condições de vida anteriormente existentes. Na área das barragens ocorreram diversos problemas de saúde pública, como o aumento de doenças de natureza endêmica, o comprometimento da qualidade da água nos reservatórios, afetando atividades como a pesca e a agricultura; e problemas de segurança das populações, com o aumento dos riscos de inundação abaixo dos reservatórios, decorrentes de problemas de operação. Além disso, grandes quantidades de terras cultiváveis ficaram submersas e, em muitos casos, a perda da biodiversidade foi irreversível.
Os conflitos sociais e ambientais que acompanharam os empreendimentos hidrelétricos no passado recente, e que permanecem presentes nos empreendimentos atuais, indicam a necessidade do estabelecimento de restrições para esta alternativa.
Praticamente 2/3 (63,6%) do potencial brasileiro para a geração de hidroenergia está localizado na região amazônica, principalmente nos rios Madeira, Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós. As conseqüências sociais e ambientais da implantação de empreendimentos hidrelétricos previstos para a região, envolvendo questões como as relacionadas com reservatórios em terras indígenas ou a manutenção da biodiversidade, exigem atenção e cuidados muito além da retórica dos documentos oficiais.
João Bosco Campos é, Jornalista, Administrador de Empresas, Tecnólogo em Agricultura Familiar e Sustentabilidade, Especialista em Desenvolvimento Territorial, Palestrante, Master Coach.