Todo dia, toda semana, tem novidade. O presidente Bolsonaro não tem limites, acha que pode qualquer coisa. Agora, aparece anunciando de viva voz, a poucos centímetros de jornalistas, que testou positivo para coronavírus. No entanto, não mostrou o laudo comprobatório assinado por um médico, ou por uma junta médica. Como nada do que ele fala tem serventia para a Nação, é preciso desconfiar.
Aliás, nas redes sociais surgem especulações. Uma delas diz que Bolsonaro quer se desfazer do estoque de cloroquina que o Exército fabricou sem saber para quê. O mundo inteiro já disse que esse remédio não tem eficácia comprovada, mesmo assim Bolsonaro insiste.
Para piorar, Bolsonaro, depois de se aproximar de jornalistas no Palácio vai para as redes sociais posando num vídeo fajuto, mostra que está tomando cloroquina, estimula a população a fazer o mesmo e ainda diz que já está indo muito bem. Dá uma de garoto propaganda irresponsável, atitude impensável para um chefe de Estado minimamente sério. Pior que Bolsonaro só o insano Idi Amin Dada, ditador de Uganda, que só foi deposto depois de matar 300 mil pessoas.
Diante das repetidas atitudes criminosas de Bolsonaro, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) divulgou nota denunciando o presidente por ter infringido o artigo 131 do Código Penal, que diz: “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa.” Pois é disso que se trata.
“Mesmo informado de que estava infectado com o Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro continua agindo de forma criminosa e pondo em risco a vida de outras pessoas. Nesta terça-feira (7/7), rompendo o isolamento recomendado pelos médicos, recebeu jornalistas de veículos que considera alinhados com suas políticas para informar pessoalmente que está contaminado com o coronavírus. Na ocasião, o presidente esteve próximo dos jornalistas e chegou a retirar a máscara”, diz a nota da ABI.
Segundo a entidade dos jornalistas, “Bolsonaro infringiu também o artigo 132 do mesmo código, que prevê pena de detenção de três meses a um ano para quem expuser ´a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente´”.
Paulo Jerônimo, presidente da ABI, anunciou também que está entrando com notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não é possível que o país assista sem reação a sucessivos comportamentos que vão além da irresponsabilidade e configuram claros crimes contra a saúde pública”, diz a nota.
ABI repudia inquérito para investigar jornalista da Folha
A decisão do ministro da Justiça, André Mendonça, de requerer à Polícia Federal (PF) que abra inquérito, com base na Lei de Segurança Nacional, para investigar artigo publicado pelo jornalista Hélio Schwartsman no jornal Folha de São Paulo é repudiada pela ABI em nota pública.
A ABI diz que “tal iniciativa, com uso de um dos entulhos autoritários remanescentes da ditadura militar, afronta a liberdade de expressão e de imprensa”. E acrescenta que essas são “características do governo Bolsonaro, que têm degradado as instituições republicanas e democráticas do País”.
Por fim, a entidade se declara solidária ao jornalista, ao jornal e conclama a PF que arquive o pedido ministerial por ofender o direito constitucional à opinião.
A seguir, a íntegra do artigo publicado pela Folha de S. Paulo no dia 7/7:
Por que torço para que Bolsonaro morra
Hélio Schwartsman (*)
Torço para que o quadro se agrave e ele morra. Nada pessoal.
Como já escrevi aqui a propósito desse mesmo tema, embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão tão amarrados pela moral tradicional. É que, no consequencialismo, ações são valoradas pelos resultados que produzem. O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior.
A vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas. Estamos?
No plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da UFABC, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. Detalhe irônico: são justamente os eleitores do presidente a população mais afetada.
Bônus políticos não contabilizáveis em cadáveres incluem o fim (ou ao menos a redução) das tensões institucionais e de tentativas de esvaziamento de políticas ambientais, culturais, científicas etc.
Numa chave um pouco mais especulativa, dá para argumentar que a morte, por Covid-19, do mais destacado líder mundial a negar a gravidade da pandemia serviria como um “cautionary tale” de alcance global. Ficaria muito mais difícil para outros governantes irresponsáveis imitarem seu discurso e atitudes, o que presumivelmente pouparia vidas em todo o planeta. Bolsonaro prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida.
O presidente prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida.
Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”