Network vale mais que dinheiro, nunca mais você empresta dinheiro pra ninguém, não precisa, é só ter network com agiota.
Esse foi o conselho de Pablo Marçal durante uma palestra compartilhada em suas redes sociais. O candidato a prefeito da cidade mais populosa do Brasil, São Paulo, vende a figura de um milionário de origem humilde que alcançou a prosperidade por meio de técnicas que todos poderiam alcançar. Com quais métodos?
Marçal dá aos seguidores dicas de investimentos para se aproveitar de endividados e negociar com agiotas. É ele quem diz, em vídeo:
— A fazenda vale R$ 8 milhões, está quebrada, desestruturada, foi jogada no lixo porque o cara quebrou o emocional dele. Tá devendo o banco e vai executar agora, não tem conversa. […] Fiquei sabendo que ele arrumou dinheiro com agiota. Já até arrumei o número do agiota pra ligar pro agiota.
Vejam, Marçal está dizendo com todas as letras que se relaciona com agiotas. Em que termos?
— Opa, tudo bem? Nós vamos pagar você, mas não é hoje não. Quando acabar todas as possibilidades dele. Não sou eu que sou a pessoa má. Eu torço pra que esse negócio não venha parar na minha mão. Mas se vier parar na minha mão eu faço R$ 2 a 3 milhões sem colocar 1 real.
A dica de Marçal está prevista pela Lei nº 1.521 de 1951, que versa sobre os crimes contra a economia popular, e caracteriza-se pelo abuso da situação de necessidade de outro com o objetivo de obter lucro excessivo, com pena de 6 meses a 2 anos de detenção. O crime de usura, denominação dada à prática da agiotagem no artigo 4º da lei, tem sua pena agravada quando o autor possui condição econômica e social superior à da vítima, ou quando o crime é cometido em detrimento de operários e agricultores.
Mas o “conselho” de Marçal circula no canal do Tiktok, Sociedade Milionária, e tem cerca de 1.500 curtidas.
Para saber mais sobre Marçal e sua relação com agiotas, assista ao oitavo episódio da série Endereços, em nosso canal no YouTube: “Omitiu as fazendas, Marçal?”.
MARÇAL DEIXA R$ 88 MILHÕES FORA DA DECLARAÇÃO AO TSE
Essas fazendas adquiridas por meio de agiotas estão ou não estão na declaração de bens entregue por Pablo Marçal à Justiça Eleitoral? Foi a pergunta que fizemos a ele, por meio de sua assessoria de imprensa. sem resposta.
A declaração de Marçal que consta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) totaliza R$ 169.503.058,17, mas seu patrimônio é maior. Ele mesmo insinua ser bilionário. Alguns valores estão subestimados e diversas participações em empresas do mesmo grupo não foram declaradas e somadas.
Preso em 2005 pela sua participação em um esquema de clonagem de cartões, Marçal teve uma ascensão meteórica: ele possui, em 2024, 21 empresas registradas na Junta Comercial de São Paulo. Elas somam R$ 168 milhões, mas apenas quatro delas estão na declaração entregue ao TSE. E elas estão com valores subestimados.
Para o Tribunal Superior Eleitoral, Marçal declarou participação em uma empresa aérea chamada Aviation (80%), na Marçal Loteamentos (100%), na Marçal Participações (90%) e na Marçal Holding (50%), somando R$ 80 milhões. Mas outra fatia de tamanho semelhante, R$ 88 milhões, não está na declaração.
A participação de Marçal nas empresas Marçal Holding e Marçal Participações foi subestimada. O candidato declarou apenas R$ 700 mil pelas duas empresas, mas elas valem R$ 22 milhões, como aponta reportagem do UOL.
Outra parte do patrimônio do candidato registrado na Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) não consta em sua declaração. São R$ 66 milhões de participações das empresas principais em outros dezoito negócios, que vão de uma fazenda a uma empresa digital.
EMPRESAS LIGADAS A IMÓVEL EM ITU ESTÃO COM VALORES SUBESTIMADOS
Pablo Marçal tem R$ 670 mil em participação na Fazenda Toscana Ltda, um dos braços do imóvel rural em Itu (SP). É a fazenda apresentada em vídeo por seu sócio, Renato Carlini, réu em São Paulo sob a acusação de oferecer material para o tráfico de drogas. A fazenda foi comprada por R$ 6.165.712, durante um leilão. O imóvel rural está associado à Marçal Participações, declarada ao TSE por R$ 450 mil.
Uma coisa é o imóvel rural, com esse braço jurídico, outra a empresa homônima: a Fazenda Toscana Ltda, pessoa jurídica com capital social de R$ 1 milhão, está associada a outro guarda-chuvas empresarial do político, a Marçal Holding. Só que essa empresa foi declarada à Justiça Eleitoral por apenas R$ 250 mil. Este observatório também perguntou à assessoria do candidato de onde veio esse dinheiro — sem resposta.
O imóvel em Itu foi arrematado em outubro de 2021, época em que estava avaliado em 12,3 milhões de reais. O lance vencedor corresponde a metade do valor da propriedade. Segundo o auto de arrematação, a compra da fazenda envolveu a Marçal Holding, responsável por 42% da aquisição, e outras três empresas: Exo Participações (28%), E3 Holding Ltda (25%) e Xthor Plataforma de Ensino e Treinamentos (5%). O leilão judicial foi realizado para quitar dívidas dos antigos proprietários da fazenda junto a uma administradora de consórcios.
Outra empresa associada à Marçal Holding é a Resort Digital, relativa a um resort em Porto Feliz (SP). Ela tem um capital social de R$ 10 milhões, valor 40 vezes maior que o declarado à Justiça Eleitoral na holding. Em outra entrevista para o canal de Renato Cariani no YouTube, realizada no próprio resort, o candidato afirma ter investido R$ 25 milhões na reforma do imóvel no interior paulista. Não há registro disso na Justiça Eleitoral.
Tanto a fazenda quanto o resort não são segredos para o público que acompanha o coach pelas redes sociais. Somente o vídeo de Cariani sobre a fazenda já foi visto por 670 mil seguidores do empresário, acusado de associação ao tráfico. Os imóveis também serviram de palco para os reality shows promovidos pelo sócio de Cariani, Pablo Marçal.
O resort foi apresentado no canal de Cariani no dia 5 de maio. A Fazenda Toscana, com 162 hectares em Itu, cinco dias depois, no dia 10 de maio. De Olho nos Ruralistas constatou que ela se chamava Fazenda Jamaica — não há registro de uma fazenda Toscana nos cadastros de imóveis rurais.
Ele contou para Cariani como conseguiu a fazenda, que segundo ele estava falida:
— Comprei lá embaixo [com os preços lá embaixo], destruído, família destruiu tudo. Estava tudo acabado e eu comprei. A curiosidade disso aqui é que eu comprei sem vir aqui. Comprei no helicóptero. Estava sobrevoando […] E meu advogado: “Olha, vai fazer agora. Pode dar o lance?” Pode.
(*) Tonsk Fialho é pesquisador e repórter.
(*) Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas.