O Estado do Tocantins, com seus 31 anos, apresenta uma grande diversidade de povos indígenas com rituais, crenças, costumes e histórias que preservam a cultura dos povos originários. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o Estado possuía 13.171 indígenas. Já os dados atualizados do Distrito Sanitário Especial Indígena do Tocantins (DSEI) indicam a presença de 12.531 indígenas no Tocantins. Em toda sua história, os povos tradicionais brasileiros enfrentaram diversos desafios, e neste momento de pandemia, enfrentam duas grandes preocupações: o medo do contágio com um inimigo invisível e que pode ser letal para muitos deles e a ausência de soluções e ações do Governo Federal em relação aos diversos problemas enfrentados nas aldeias.
A pandemia do Covid-19 sofreu um processo de aceleração no Tocantins entre os meses de junho e julho, alcançando níveis alarmantes na segunda quinzena do mês de julho. Hoje, 138 das 139 cidades do Estado já possuem pelo menos um caso confirmado da doença. Até a última semana, somente a cidade de Mateiros estava livre do contágio do vírus. A expansão do vírus por todas as regiões do Estado alcançou também dezenas de aldeias que fazem parte de reservas no território tocantinense. Segundo o DSEI, atualmente, os povos originários do Estado estão divididos em 22 etnias, 195 aldeias e duas casas de saúde, dentro de um território que supera 147 mil km².
O boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI-COVID), com dados acumulados até o dia 29 de julho, voltado exclusivamente para a população indígena e disponibilizado na página eletrônica do DSEI, apresenta dados que demonstram a gravidade da pandemia do novo coronavírus entre os indígenas no Brasil e no Tocantins. Em todo o Brasil já são 15.012 casos confirmados e 276 óbitos. No Tocantins, as aldeias já somam 415 casos confirmados, dos quais 264 permanecem doentes e cinco foram a óbito.
A indígena Kamilla Smikadi Xerente – que faz parte da aldeia Zé Brito Hêspohure – comunidade Xerente do município de Tocantínia, comenta que “mesmo sem apresentar nenhum caso confirmado do coronavírus, sua comunidade está com medo do contágio, porque nunca passaram por uma situação como essa e porque muitos não cumprem as normas de isolamento social”. Para ela “como todos os membros da comunidade são muito livres dentro da reserva, o contato é inevitável em eventos, manifestações e reuniões”. Outro fator de facilitação do contágio “é a falta de alimentos na aldeia, o que leva os membros da comunidade para a cidade e aumenta a possibilidade de infecção pelo vírus” ressalta Kamilla.
Maloiri Xerente é outro indígena tocantinense que está com receio da Covid-19. Ele é Diretor de Políticas Indígenas do Diretório acadêmico da Universidade Federal do Tocantins, mesmo morando na cidade e estando distante da sua aldeia há mais de sete meses, afirma “que o vírus veio para se alastrar e prejudicar seu povo e é necessário pedir aos ancestrais, proteção aos povos originários”. Além de pedir proteção aos ancestrais ele está cumprindo todas as recomendações sanitárias emitidas pelo Ministério da Saúde e pelas lideranças do seu povo.
Para eles, falta apoio do Governo Federal para que a doença não se espalhe pelas aldeias. “Falta atendimento, prevenção e tratamento direto nas aldeias”, afirma Kamilla. Ela demonstra muita preocupação em relação aos idosos, que fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus, e também em relação às grávidas. “Os que ficam doentes na aldeia estão sendo tratados aqui mesmo com remédios caseiros, existe um receio de levá-los para os hospitais”, comenta Kamilla, sobre o tratamento aos doentes.
O Governo Federal e o Governo do Tocantins prometeram reforçar as medidas de prevenção ao Covid-19 aos povos tradicionais. Em seu site, o Ministério da Saúde informa que “juntamente com o Ministério da Defesa vai enviar suprimentos médicos e assistência médica para as aldeias e reservas”. Já o Governo do Tocantins, através da Secretaria Estadual de Saúde (SES) vai aliar o Plano Estadual de Contingência com o Plano de Contingência do DSEI/TO. Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará ação que questiona as medidas que o Governo Federal tem adotado para conter o avanço do coronavírus nas aldeias. No início de julho, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, determinou que o Governo adotasse diversas medidas para evitar a contaminação e a consequente mortalidade entre os povos indígenas.
Gabriel Santos Pereira, 32 anos, é morador de Palmas (TO), professor com licenciatura plena em História pela Universidade Federal da Bahia. Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Tocantins, campus de Palmas.