A onda de protestos que tomou conta dos Estados Unidos nos últimos dias, motivada pelo assassinato de George Floyd, escancarou uma janela para o racismo institucional e sistêmico presente na sociedade norte-americana. Assim como no Brasil, a herança escravista nos Estados Unidos impôs imensos flagelos à população negra no país que, mesmo tendo a sua liberdade garantida pela 13ª Emenda, viu centenas de obstáculos ao exercício pleno da cidadania por um regime segregacionista que – sob o lema “separate but equal”- legitimava o racismo em suas formas mais brutais.
Juízes, senadores, prefeitos e governadores, quando não defendiam abertamente, eram coniventes com verdadeiros atos de terror praticados por grupos supremacistas brancos e endossavam medidas que alijavam a população negra de seus direitos mais básicos. Espetáculos de menestréis entretinham a audiência branca com black face, e a caricatura Jim Crow acabou por emprestar seu nome à época em que as leis de segregação racial atingiram seu ápice nos Estados Unidos.
A lei que acabou com a segregação legal nos Estados Unidos, em 1964, foi fruto de uma longa luta de organizações pelos direitos civis e dos líderes diretamente associados a elas. Hoje, esses líderes são novamente evocados nos protestos que tomam conta do país e deixam claro que essa é uma luta que ainda não acabou. A brutalidade do assassinato de George Floyd, sob o olhar tranquilo de seu algoz, levou a uma onda de protestos violentos, um método que, décadas atrás, teve em Malcolm X seu principal expoente, por acreditar na violência como ato de legítima defesa. O dano causado a diversas propriedades provocou críticas daqueles que se opõem a essa tática, da mesma forma como fazia Martin Luther King no passado.
Com diferentes abordagens, ambos foram cruciais para mudar a história da população negra nos Estados Unidos e pagaram a defesa de suas ideias com a própria vida. Mais de 50 anos após as vozes de Martin Luther King e Malcolm X terem sido silenciadas, seus ecos ainda são presentes e, mais do que isso, necessários. A mesma engrenagem que, no passado, oprimia a população negra, permanece vigente e matando Kings, Malcolms e Floyds.
O Ato dos Direitos Civis, de 1964, não foi suficiente para pôr termo a uma estrutura assentada no racismo, nem para mudar mentalidades há séculos consolidadas. A mobilização da sociedade civil continua sendo a principal fonte de mudanças. Mais do que questionar sobre a legitimidade ou não do uso da violência, é preciso pensar nas causas que permitem que ela seja vista como alternativa. Afinal, um homem negro foi morto por um policial sob o olhar beneplácito de seus pares e de parte da população, que tudo filmava. A cena fala por si. Um policial branco domina George Floyd, homem negro e desarmado, mantendo o joelho em seu pescoço mesmo após tê-lo visto inconsciente. Os angustiantes pedidos de socorro “I can’t breathe, I can’t breathe”, não foram suficientes para frear o desejo de dominação que resultou na morte por sufocamento. Nada foi feito pelo outro policial, parceiro e cúmplice do crime. Nem mesmo o grupo de pessoas ao redor, ainda que vocalizasse aos policiais, nada mais fez a não ser pedir. Implorar não foi o suficiente. A ilusão da democracia racial foi asfixiada junto com Floyd. No entanto, o seu pedido e a sua voz, renasceram nos protestos generalizados em todo território norte-americano.
Maria Thereza David João é professora de História da área de Linguagens e Sociedade do Uninter
André Frota é membro do Observatório de Conjuntura, professor do curso de Relações Internacionais e vinculado à área de Geociências do Uninter