Governos gastam cerca de US$ 78 bi a US$ 91 bi por ano em esforços de biodiversidade, valor abaixo do necessário, segundo o relatório
Em 2010, líderes de 196 países se reuniram no Japão e concordaram com uma lista de metas destinadas a salvar a Terra.
As Metas de Aichi traçaram um plano de dez anos para conservar a biodiversidade mundial, promover a sustentabilidade e proteger os ecossistemas. As metas eram ambiciosas, mas cruciais. Uma, por exemplo, visava prevenir a extinção de espécies ameaçadas e melhorar seu status até 2020.
Nós atingimos o prazo – e o mundo coletivamente falhou em conquistar totalmente um único objetivo, de acordo com as Nações Unidas Perspectiva Mundial sobre a Biodiversidade 5, publicado na terça-feira (15) (ainda sem versão em português).
“A humanidade está em uma encruzilhada no que diz respeito ao legado que deixa às gerações futuras”, alertou o relatório. “A biodiversidade está diminuindo a uma taxa sem precedentes e as pressões que impulsionam esse declínio estão se intensificando”.
Se continuarmos nossa trajetória na aceleração da crise climática, a biodiversidade continuará a se deteriorar, impulsionada por “padrões atualmente insustentáveis de produção e consumo, crescimento populacional e desenvolvimentos tecnológicos”, pontuou o relatório.
Dos 20 objetivos, apenas seis foram “parcialmente alcançados”. Em média, os países participantes informaram que mais de um terço das metas nacionais estão em vias de serem cumpridas; metade dos objetivos nacionais estava registrando um progresso mais lento; 11% não mostram nenhum progresso significativo e 1% está realmente se movendo na direção errada.
Há poucos progressos a serem celebrados, mas “a taxa de perda de biodiversidade não tem precedentes na história da humanidade e as pressões estão se intensificando”, afirmou Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, em um comunicado para a imprensa.
“Os sistemas vivos da Terra como um todo estão sendo comprometidos. E, quanto mais a humanidade explora a natureza de maneiras insustentáveis e prejudica suas contribuições para as pessoas, mais prejudicamos nosso próprio bem-estar, segurança e prosperidade”.
O que o mundo conseguiu
Em primeiro lugar, as boas notícias: a última década viu alguns progressos limitados.
As seis metas parcialmente cumpridas são: prevenção de espécies invasoras, conservação de áreas protegidas, acesso e compartilhamento de benefícios de recursos genéticos, estratégias de biodiversidade e planos de ação, compartilhamento de informações e mobilização de recursos.
A taxa global de desmatamento caiu um terço em comparação com a década anterior. Vários lugares erradicaram com sucesso espécies invasoras. Alguns países introduziram boas políticas de gestão da pesca, que ajudaram a reconstruir os estoques de peixes marinhos duramente atingidos pela sobrepesca e degradação ambiental.
Ampliamos significativamente o número de áreas naturais protegidas, tanto em terra como no mar. E introduzimos mais medidas de conservação, como restrições à caça, que valeram a pena.
“Sem essas ações, as extinções de pássaros e mamíferos na última década teriam sido duas a quatro vezes maiores”, disse o relatório.
O que deixamos de fazer
A lista de conquistas é encorajadora e mostra que é possível que os governos tomem ações unificadas com resultados concretos, mas, alerta o relatório, está longe de ser suficiente.
As 20 metas podem ser subdivididas em 60 “elementos”, dos quais 13 não mostraram nenhum progresso ou, pior ainda, estão se movendo na direção oposta, de acordo com o relatório.
A perda e degradação de habitat permanecem altas, especialmente em florestas e regiões tropicais. As áreas úmidas globais estão diminuindo e os rios se fragmentando, representando uma “ameaça crítica à diversidade de água doce”.
A poluição ainda é galopante, com plástico nos oceanos e pesticidas nos ecossistemas. Nossos recifes de coral estão morrendo. Nossa demanda por recursos naturais está aumentando. Enquanto isso, as comunidades indígenas ainda estão amplamente excluídas dessas conversas e seu valioso conhecimento sobre o manejo sustentável de recursos não se reflete nas legislações nacionais.
Nós também mergulhamos de cabeça na sexta extinção em massa; as populações de vida selvagem caíram em mais de dois terços desde 1970 e continuaram a diminuir na última década.
Esses esforços fracos se refletem em nosso financiamento. Globalmente, os governos gastam cerca de US$ 78-91 bilhões por ano em esforços de biodiversidade, estimou o relatório, valor bem abaixo das centenas de bilhões de dólares necessários.
Mesmo em áreas em que progressos foram feitos, a situação não está realmente melhorando, apenas diminuindo mais lentamente e talvez com menos gravidade do que se nenhuma ação fosse tomada. Por exemplo, embora alguns países tenham conseguido manter estoques de peixes marinhos mais sustentáveis, globalmente um terço dos cardumes ainda sofrem pesca além do limite, uma proporção maior do que há 10 anos.
O que precisamos fazer
A ação imediata é necessária com mais urgência do que nunca: a devastação da biodiversidade da Terra afetará a todos nós e será particularmente prejudicial para “os povos indígenas e comunidades locais, e os pobres e vulneráveis do mundo, dada sua dependência da biodiversidade para seu bem-estar”, de acordo com o relatório.
O texto acrescentou que, apesar de nosso fracasso em cumprir qualquer uma das Metas de Aichi, “não é tarde demais para desacelerar, interromper e por fim reverter as tendências atuais no declínio da biodiversidade”. Muitas das ações necessárias já foram identificadas e acordadas em tratados internacionais como o Acordo de Mudança Climática de Paris (do qual os Estados Unidos estão atualmente fora).
O relatório delineou oito áreas nas quais precisamos fazer a transição para a sustentabilidade: terras e florestas, agricultura, sistemas alimentares, pescas e oceanos, cidades e infraestrutura, água doce, ação climática e uma estrutura global integrada chamada da abordagem One Health.
Existem etapas mais específicas estabelecidas em cada área – por exemplo, as cidades precisam criar mais espaços verdes, considerar o impacto na biodiversidade ao construir novas estradas ou infraestrutura e promover a produção local de alimentos.
Encontrar essas soluções é “desafiador”, mas crítico, e vimos o que acontece quando falhamos. A pandemia da Covid-19, por exemplo, ilustrou “a ligação entre o nosso tratamento do mundo vivo e o surgimento de doenças humanas”, disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, no relatório.
“Intensificar as ações para salvaguardar e restaurar a biodiversidade – a estrutura viva de nosso planeta e a base da vida humana e da prosperidade – é uma parte essencial desse esforço coletivo”, acrescentou.