Partidos políticos de esquerda montaram um Comitê Popular de Luta no Núcleo Rural Lago Oeste, região administrativa Sobradinho II, para combater a intenção do Governo do Distrito Federal (GDF) de transformar em área urbana o bairro constituído principalmente por 915 chácaras de 2 hectares de padrão. A iniciativa é uma grave ameaça não apenas aos produtores, conhecidos por seus cultivos orgânicos, mas para todo o Distrito Federal, pois a urbanização ameaça o vizinho Parque Nacional de Brasília, unidade de conservação federal que abriga o lago Santa Maria, importante reservatório que abastece de água entre 20 a 30% de toda a população do DF.
“Acho que não apenas os moradores, mas os brasilienses devem se unir para que o Lago Oeste permaneça rural”, enfatiza a fotógrafa Paula Simas que é moradora há sete anos no local. “Temos moradores aqui com mais de 30 anos de residência, que cultivam frutas, hortaliças, produzem queijos, ovos e até mesmo um café que já é bastante conhecido em Brasília. Além de ter uma agricultura familiar marcante, ainda há uma filosofia de conservação ambiental com cultivos sem veneno e adubação natural. Ao contrário de tentar acabar com esse cinturão verde, o GDF deveria criar políticas públicas de incentivo à produção que traz qualidade de vida para toda a sociedade”, argumenta.
Paula Simas é fotógrafa e desde os anos 80 trabalha em Brasília, em jornais e revistas como o Jornal do Brasil, a Veja, IstoÉ, com especializações em jornalismo nos Estados Unidos e Inglaterra. Muitos de seus trabalhos expressam cotidianos sociais e ambientais, como o ensaio que fez sobre a exploração de crianças no trabalho em lavouras de cana-de-açúcar no Brasil. Também foi editora da revista Sustentabilidade em Debate.
Na manhã de sábado, integrantes do Comitê Popular de Luta foram distribuir panfletos na DF-001 e no “Empório” do Balão do Colorado, que vende os orgânicos produzidos localmente. Com ótima receptividade de moradores, produtores e consumidores, que estão indignados com a possibilidade de urbanização, o que pode acarretar perda de suas chácaras e parcelamento das terras, afetando inclusive a vida de animais do Parque Nacional de Brasília, que fica do outro lado da estrada.
No bairro são frequentes os encontros com grandes antas que costumam atravessar a pista quando o sol ainda começa a surgir, algumas vezes interrompendo o trânsito de automóveis. A unidade de conservação também é habitada por veados, lobos guará e até onças pardas já foram captadas por lentes noturnas de pesquisadores.
Referência mundial
Uma das mais importantes chácaras do Lago Oeste é o Sítio Semente, na rua 23, considerado uma das maiores referências mundiais em Sistemas Agroflorestais Sintrópicos, recebendo visitantes de todo o Brasil e também estrangeiros que frequentam seus cursos. Antes do Google Maps era comum ver mochileiros na DF-001 tentando encontrar o endereço. Conforme a própria página na internet, a unidade é de base familiar e produz desde 2005 em áreas originalmente degradadas, como era grande parte do Lago Oeste, antigamente com lavouras de soja.
Hoje o Sítio Semente tem mais de 9 hectares de produções extremamente biodiversas que vão desde hortas a agroflorestas, plantas medicinais, aromáticas e café. Além de cursos presenciais em que os participantes dormem no local ou em pousadas próximas, também oferece cursos online, visitas guiadas, com vendas de mudas e de produtos cultivados livres dos agrotóxicos. Já formou diversos profissionais que hoje atuam na área da agricultura sintrópica.
Panfleto explica intenções da Terracap
O material impresso distribuído pelos moradores que criaram o Comitê Popular de Luta convida à mobilização e esclarece sobre a situação que enfrentam. Os integrantes são benvindos não só do Lago Oeste, mas também da Vila Basevi, Mansões Colorado (que margeiam o parque nacional), produtores rurais de outros regiões e cidadãos do DF que desejem discutir conservação ambiental, produção agrícola familiar e sustentável e também as mudanças propostas pelo GDF.
O panfleto explica que atualmente o Lago Oeste é descrito no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT) como área de alta sensibilidade ambiental, classificado como Zona de Uso Controlado II, na qual devem ser compatibilizadas as atividades de conservação dos recursos naturais, a recuperação ambiental, a proteção dos recursos hídricos e a valorização de seus atributos naturais. A condição de área rural está sendo ameaçada na atual revisão do PDOT. O bairro está localizado em área de importantes mananciais e nascentes de água e por esse motivo é legalmente protegido por diversas unidades de conservação federais e distritais.
“Essa condição de cinturão verde” está severamente ameaçada, pois o Governo Federal e o GDF recentemente firmaram compromisso de passar toda a área onde o Lago Oeste está situado para a Terracap. Este é o primeiro passo rumo à entrega da área aos especuladores, grandes incorporadores e construtores, o que certamente levará à urbanização acelerada da região comprometendo os recursos hídricos, o meio ambiente e a biodiversidade do DF”, afirma o documento.
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