Relato de alguém de fora costuma ser o ponto de partida em casos envolvendo trabalhadores domésticos
Uma denúncia é a porta de entrada para revelar casos de trabalho análogo à escravidão ligados a serviços domésticos, que ocorrem dentro de residências e envolvem vítimas em situação de vulnerabilidade social, com baixa escolaridade e pouco acesso aos canais de investigação.
Segundo o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, é difícil identificar as situações que envolvem atividade doméstica se não for por meio de um relato. “Geralmente a denúncia não é feita pela vítima, é alguém que está fora e observa, então chegar essa informação é extremamente importante.”
“Às vezes, [a vítima] não tem acesso a pessoas ou a lugares nos quais a denúncia pode ser feita. Às vezes, não tem nem sequer consciência do grau de exploração a que é submetida, porque o trabalho escravo afeta principalmente pessoas em grande situação de vulnerabilidade social, afirma Medina.
O tema ganhou mais debate e espaço, nas últimas semanas, com o podcast A Mulher da Casa Abandonada, produzido pela Folha. Ele retrata a história de uma brasileira que manteve uma empregada doméstica em condições análogas à escravidão durante 20 anos nos EUA.
O trabalho análogo à escravidão pode estar presente em qualquer setor, no meio urbano ou rural. Segundo Italvar Medina, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), a maior parte dos resgates de 2021 foi feita de lavouras de café, no meio rural, e dos setores de construção civil e trabalho doméstico, no meio urbano.
As condições que caracterizam o trabalho análogo à escravidão estão previstas no artigo 149 do Código Penal. Trabalho em condições degradantes, trabalho forçado, jornada exaustiva e situações que configuram escravidão por dívidas são recorrentes.
Não é necessário que todos os aspectos estejam presentes; qualquer uma destas situações já pode configurar trabalho análogo à escravidão e, em caso de suspeita, a denúncia pode ser feita por meio de Sistema Ipê.
COMO IDENTIFICAR TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO?
VEJA COMO IDENTIFICAR UM CASO DE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO CONDIÇÕES DEGRADANTES
Há negação dos direitos básicos para a dignidade do trabalhador. “Ele não tem garantida uma alimentação digna, muitas vezes não tem acesso a água potável, a um alojamento com a mínima qualidade e conforto, acesso a medidas de saúde e segurança do trabalho, não há respeito ao repouso, não há às vezes até mesmo pagamento de remuneração”, explica Medina.
Há situações em que trabalhadores do meio rural são resgatados em barracos de lona, obrigados a buscar a própria comida e a beber água de riachos e açudes.
TRABALHO FORÇADO
Ameaças, agressões físicas, restrição de uso de meios de transporte e retenção de documentos, como passaportes de trabalhadores imigrantes, são medidas usadas para impedir ou dificultar a saída da vítima do local de trabalho.
JORNADA EXAUSTIVA
A jornada exaustiva tem longa duração e é tão intensa que pode levar ao total esgotamento das energias e ao adoecimento.
ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS
O empregador leva o trabalhador a constituir dívidas de forma fraudulenta. O funcionário nunca consegue quitar a falsa dívida que teria contraído.
“Então o empregador, por exemplo, cobra os próprios instrumentos de proteção, cobra os mantimentos para o trabalhador por preços superfaturados, cobra o meio de transporte para o trabalhador ir à fazenda, e com isso praticamente todo o dinheiro que o trabalhador ganha reverte de volta ao empregador.”
QUANDO E COMO FAZER UMA DENÚNCIA?
Caso desconfie de que alguém está sendo submetido a trabalho análogo à escravidão, denuncie a situação no formulário do Sistema Ipê: www.ipe.sit.trabalho.gov.br ou presencialmente, nas unidades do Ministério Público do Trabalho ou em Superintendências Regionais do Trabalho, por telefone das unidades ou por meio do Disque 100.
“A pessoa não precisa nem usar a palavra ‘trabalho escravo’ se ela não quiser, ela precisa descrever os fatos”, diz Medina.
É possível fazer a denúncia de forma anônima, mas Krepsky ressalta a importância de deixar ao menos um telefone de contato: “Muitas pessoas têm medo de denunciar e se identificar, mas precisamos entrar em contato com o informante em algum momento, até para garantir a eficiência da ação fiscal, às vezes ter algum detalhe que a pessoa não citou e a gente precisaria saber.”
Os dados do denunciante são sigilosos e não são divulgados, assim como a própria existência da denúncia e seu conteúdo.
“Por obrigação legal, a gente não pode nem mesmo dizer se a ação fiscal é objeto de denúncia, quanto mais revelar a fonte”, explica o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo.