Em setembro, o governo federal tornou públicas algumas conversas com outras empresas de satélite de baixa órbita sobre a operação no Brasil. As negociações acontecem na esteira do entrave entre Elon Musk, dono da Starlink, e a Justiça brasileira. Ao abrir o mercado para outras empresas estrangeiras, algo muda na soberania digital brasileira?
O imbróglio em que o bilionário Elon Musk se meteu no Brasil após recusar ordens do Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs a suspensão da rede social X, também pode ter acendido um alerta no governo federal, que vem tornando públicos encontros com representantes de empresas de satélite de baixa órbita que podem ser uma opção aos serviços oferecidos pela Starlink, empresa da qual o empresário sul-africano é um dos donos.
Na semana passada, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, se encontrou com o presidente da Amazon Brasil, Daniel Mazini, que quer entrar na concorrência do serviço de Musk. Conforme informações da Folha de S.Paulo, a iniciativa prevê a instalação de 3 mil satélites de baixa órbita para atender a regiões de difícil acesso. A expectativa é que em 2026 a Internet da Amazon já funcione no Brasil.
Também na última semana, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) autorizou a empresa francesa E-Space a operar seus satélites de baixa órbita no Brasil. Ao todo, são cerca de 8 mil satélites, o dobro da Starlink.
A busca por alternativas, segundo analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, demonstra a preocupação do governo federal em quebrar o monopólio atual da Starlink, mas o caminho seguido não garante soberania digital ao Brasil e segue deixando nossos dados sob o controle das big techs estrangeiras.
Atualmente, a Starlink é responsável por fornecer Internet por satélite a representantes estatais importantes, como a Petrobras, o Exército, a Marinha e ministérios como Saúde e Educação. Além disso, ela conta com 250 mil conexões no país, incluindo órgãos institucionais do governo.
Soberania digital: desafio para o Brasil
Lacunas expostas em situações como a envolvendo a Starlink mostram como empresas consolidadas estão prontas, conforme o ditame do mercado, para agredir rápido as oportunidades latentes. Nesse caso, de Internet por satélite, as empresas são capazes de distribuir conectividade muito mais rápida por preços muito melhores.
“Em alguma medida termos outras empresas oferecendo serviços melhora um pouco a dependência que temos hoje da Starlink. Porém esse não é o caminho para reduzir a dependência e vulnerabilidades do país, que terminam por reduzir a possibilidade de ampliação de nossa soberania digital”, avalia Flávia Lefèvre, advogada especialista em telecomunicações e direitos digitais e do consumidor, integrante do Conselho Consultivo do Instituto NUPEF (Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação) e da Coalizão Direitos na Rede.
Ou seja, nesta dinâmica, os dados do governo seguem vulneráveis e sem garantia de confidencialidade e crimes cibernéticos.
“Deveria ser prioridade do país, priorizar investimentos em infraestrutura no país. Mas estamos longe de que investimentos nestas áreas possam nos levar a reduzir a dependência dos satélites dessas empresas estrangeiras”, acrescenta a especialista em telecomunicações.
De acordo com Lefèvre, para o Brasil ter ser próprio sistema, precisaria de um comprometimento dos agentes públicos; entretanto, a fusão dos Ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia nos dois governos que antecederam o atual, reduzindo a menos da metade os investimentos nas respectivas políticas públicas e o trabalho do atual Ministério das Comunicações que tem atuado de “forma inadequada para as necessidades que o Brasil tem hoje”, vão na contramão do comprometimento citado pela advogada.
“O Brasil poderia sim ter projetos voltados para o lançamento de satélites de baixa órbita também, ou ainda, usar parte da capacidade dos satélites que já temos para atender a demanda brasileira. Mas não temos feito nada”, ressalta.
Levrefe avalia, ainda, que o Brasil teria muito a aprender com parceiros do BRICS como Rússia e China no que tange à soberania de dados, entretanto, “estamos limitados por conta da atual configuração política do país a evoluirmos nesse caminho”.
Para Clarice Tavares, coordenadora de pesquisa do InternetLab, a discussão sobre os monopólios de redes de Internet lançam luz à “necessidade de se pensar uma alternativa nacional de conectividade”.
Nesse sentido, segundo a pesquisadora, o Brasil deveria olhar, também, para realidades de localidades específicas, como o caso de redes comunitárias de conectividade e seus pequenos provedores.
“São quase 11 mil pequenos provedores no Brasil”, conta Tavares, que estão presente em determinadas comunidades “não só no lugar de exploração e de oferecimento do serviço, mas em outras camadas, em como essas redes são pensadas também a partir da realidade local“, além de haver “um diálogo muito direto com o território”, acrescenta.
Troca da Starlink por Amazon ou outro provedor estrangeiro: mais do mesmo?
Conforme analisa Lefèvre, a troca da Starlink pela Amazon não muda nada, haja vista o controle de outra big tech estrangeira sobre os dados brasileiros, embora o fato da primeira, que já opera no Brasil, estar sob gerência de Musk que tem desobedecido as leis nacionais e “personifica a empresa e usa suas empresas em favor de seus interesses econômicos e políticos”. O que tem sido um problema para a justiça brasileira.
Em relação à preocupação com a qualidade do acesso, proteção de dados, os problemas em relação à conexão desigual são questões que permanecem independente da abertura para outras empresas.
Porém, segunda ela, “é preciso reconhecer também que existe um benefício em relação à concorrência, no sentido de que se tem mais de uma empresa no mercado oferecendo o mesmo serviço e a gente consegue pensar em ganhos, em preços melhores, ou seja, conseguir que essa conectividade tenha um preço mais acessível“, complementa.