Na calçada fria das cidades do nosso país, desde os primórdios do século passado, músicos se reuniam em frente a uma casa, um sobrado, um edifício ou sob uma janela em especial para tocar suas canções para que um cavalheiro declarasse seu amor por uma donzela.
A serenata sempre foi um gesto de amor. No princípio, um gesto de amor romântico, aquele chamado eros, interpretado por músicos de fora, para dentro de um lar.
Durante algum tempo, no início da minha jornada como profissional da música, trabalhei com serenatas. Foram diversas situações, das mais tradicionais às mais inusitadas. Testemunhei revelações das mais inesperadas e até um pedido de casamento rejeitado. Embora tivesse presenciado muitos gestos românticos, foi nesse trabalho que aprendi outras significações para serenata e que além do amor eros, ela também poderia ser uma manifestação genuína do amor filia e até o agape.
Neste momento atual, no início do outono de 2020, a vida de todos nós tomou um rumo inesperado. Tivemos que nos recolher em nossas casas para tentar evitar uma tragédia de proporções globais. Tivemos que reinventar o nosso modo de viver e conviver com entes queridos mesmo à distância.
E no meio de tantas novas formas de conviver que temos descoberto, eis que na janela de um edifício surge um músico tocando seu instrumento, rompendo a morbidez do silêncio do isolamento. Em outro canto, surge um canto, também da janela, da cantora de voz doce pedindo “paciência” a pessoas enclausuradas na vizinhança.
De repente, em toda a parte, as janelas se abrem, e as melodias que delas saem são declarações de amor ao próximo, que espalham um punhado de alegria nesse momento sombrio. São como serenatas invertidas, que nascem dentro dos apartamentos e abraçam o mundo lá fora, mas ainda são serenatas: irresistíveis declarações de todos os tipos de amor.
Obrigado a todos os antigos e novos seresteiros do outono de 2020.
Alysson Siqueira é professor mestre no curso de Licenciatura em Música do Uninter