O problema não se encerra com a demissão e substituição de Silvio Almeida; nem se encerrará com a conclusão das investigações oficiais
A demissão do agora ex-ministro Silvio Almeida comprova que o concreto é mesmo síntese de múltiplas determinações.
No caso, entre outras tão ou mais importantes:
– a generalizada agressão contra mulheres, não importa quem sejam nem que cargo ocupem;
– o encaminhamento dado às denúncias, quando estas foram feitas reservadamente;
– a forma como a denúncia veio a público, em particular a natureza da entidade que serviu de portadora;
– o tratamento dado por Silvio Almeida, quando ainda era ministro, a diversas situações e temas;
– a diferente importância que se dá às denúncias envolvendo mulheres e homens, brancos e negros, pessoas de esquerda e de direita, ministérios “fortes” e “fracos” (a depender do rigor, ainda que por diferentes razões, uma única demissão não bastaria);
– a relação contraditória entre a presunção de inocência, o direito à privacidade e a condição essencialmente pública do cargo de ministro;
– a discussão sobre quem assumirá o ministério de direitos humanos (a depender da pessoa escolhida, certos problemas podem aumentar);
– o uso que a extrema-direita já está fazendo dos acontecimentos;
– o imenso desgaste político para a luta antirracista, para a luta das mulheres, para o PT, a esquerda e o governo;
– a dimensão digamos “pessoal” disto tudo, em primeiro lugar o sofrimento das vítimas. Sofrimento que leva, em alguns casos, à demora em denunciar certos crimes.
São tantas as dimensões envolvidas, que mais algum tempo será necessário para termos uma visão de conjunto; e mais tempo ainda será necessário antes que possamos divulgar uma versão supostamente completa e publicável.
Versão que precisa levar em devida conta a opinião dos militantes e movimentos envolvidos na luta das mulheres, negros e negras.
Mas, desde já, é possivel dizer, com base no que sabemos, tanto através de fontes públicas quanto privadas, que Lula fez bem em demitir o ministro.
Assim como fez bem a executiva nacional do Partido dos Trabalhadores em solidarizar-se com a ministra Anielle Franco e com todas as mulheres vítimas de violência.
O problema, contudo, não se encerra com a demissão e substituição do ministro; nem se encerrará com a conclusão das investigações oficiais. Entre outros motivos, devido ao que podemos chamar de “rachadura no cristal”.
O que isto significa já vimos no passado, quando denúncias de corrupção contribuíram para uma imensa crise num partido e num governo que destacavam seu compromisso com a ética na política.
No presente, fatos como os que levaram à demissão de Sílvio Almeida podem, de forma similar, contribuir para imensos problemas para uma esquerda que corretamente enfatiza a luta contra o racismo e contra o machismo.
Neste sentido, devemos evitar vários dos erros cometidos em situações similares.
Um deles foi não perceber o imenso efeito corrosivo e multiplicador de acusações que colocam em questão a coerência entre o que dizemos e o que fazemos.
No quesito “coerência”, da direita não se cobra quase nada.
Já da esquerda se cobra um alto nível de coerência.
E está certo que assim seja. Pois se levamos a sério o que defendemos, temos a obrigação de praticar o que predicamos.
(*) Valter Pomar, Historiador e integrante da Direção Nacional do PT.