Hoje marca 50 anos da morte do maior líder argentino, Juan Domingos Perón, reverenciado por toda a mídia portenha, mas, também, marca o anúncio político preocupante, para a democracia sul-americana, de que o presidente fascista ultraneoliberal, Javier MileY, o oposto de Perón, virá ao Brasil para dar força ao ex-presidente fascista Bolsonaro, que pede anistia aos golpistas que liderou em 08 de janeiro de 2023, para destruir a democracia brasileira.
Ou seja, um claro confronto ao presidente democrata Lula.
Depois de visitar a Europa em congressos da direita e ultradireita e posar de novo astro direitista internacional para levantar a bandeira do nazifascismo, que toma a face do capitalismo financeiro global em sua fase de destruição das forças produtivas capitalistas, em favor das forças especulativas, da tirania financeira, Miley se ergue como super-direita sul-americana pró Trump contra Lula pró-Biden.
Essencialmente, o movimento de Milei se opõe radicalmente às possibilidades de uma união sul-americana como potência geopolítica como pregava o ex-presidente Peron, que se eterniza em movimento político derivado da sua mística política essencialmente nacionalista de viés anti-imperialista.
Miley é pró-império americano, antinacionalista, Perón, anti-império, pró-nacionalismo.
ORGANISMO POLÍTICO VIVO ARGENTINO
Peron, maior líder político do país, criou um movimento político que representa organismo vivo a atuar na sociedade argentina.
O ex-presidente se notabilizou internacionalmente ao levar sua concepção político-filosófica a Bandung, Indonésia, 1955, durante a Conferência dos Países Não-Alinhados.
Nela, Perón propôs a que denominou “Tercera Posicion”.
Nem Estados Unidos, nem União Soviética, mas o poder Sul-americano, pensamento nacional para formulação de projeto nacionalista de libertação econômica e social.
Peron cutucava os Estados Unidos, que depois o derrubaria, em sua sofreguidão imperialista para se constituir em hegemonia no pós-guerra com sua moeda poderosa, o dólar, a fim de ditar as relações de trocas internacionais.
Quem emite o dólar tem o poder de ditar as regras e cobrar senhoriagem.
Com sua “Tercera Posicion”, Peron, diante do império americano, ressaltou, primeiro, o sentimento de liberdade sul-americano para ser soberano no concerto das nações, com ideias e projetos próprios.
Em segundo lugar, para a América do Sul se unir e se firmar como “Tercera Posicion”, na cena geopolítica global, disse o líder, tem que cuidar da preservação das suas riquezas minerais e conferir-lhes caráter estratégico nacionalista.
Tais riquezas, dizia Peron, transformam-se em valor real diante das riquezas efêmeras das moedas internacionais que se transformam conforme as crises conjunturais e estruturais do capitalismo, desestruturando conjunturas econômicas e sociais.
ANTECIPAÇÃO DA CRISE DO DÓLAR
Peron parece que adivinhava o futuro do dólar, como se apresenta no momento global, depois do fim do acordo Estados Unidos-Arábia Saudita, em que o petróleo deixa de ser o lastro real do dólar, como ocorreu no período 1974-2024.
Findo esse acordo em 9 de junho de 2024, o dólar não tem mais como lastro riqueza real e, por isso, expõe-se às especulações generalizadas por não mais ser riqueza real.
As emissões monetárias dos Estados Unidos, para sustentar o império, as guerras, o âmago da macroeconomia política capitalista americana, são colocadas na berlinda no contexto do endividamento público do império na casa dos 30 trilhões de dólares, fator de instabilidade global potencializada com o fim do petrodólar.
O dólar, sem o acordo com os árabes, que, agora, fecham neo-acordos de venda de petróleo não mais em petrodólares, mas em yuan chinês, vira alvo dos especuladores, o que leva o Banco Central dos Estados Unidos a elevar os juros para salvar a moeda nacional, visto que não há mais lastro monetário real para garantir soberania e hegemonia da moeda nacional.
Peron pregou em seu último discurso em 1974 que a saída contra a especulação internacional que fragiliza economias latino-americanas é o projeto nacional ancorado nas riquezas nacionais manufaturadas em território sul-americano, para agregar valor ao produto nacional.
Milei, que chega ao Brasil para provocar Lula, a quem chamou de corrupto e comunista, é o oposto de Perón, pois sua máxima é entregar a Argentina ao capital especulativo internacional e privatizar todo o patrimônio público, destruindo tudo com sua motosserra.
NOVO PARADIGMA
Chegou ou não o momento histórico ideal previsto por Perón de virada qualitativa e quantitativa da América do Sul em sua história econômica em permanente mutação dialética por meio de uma “Tercera Posicion” para conferir caráter social ao desenvolvimento sustentável, ancorado nas riquezas reais sul-americanas?
Se depender de Miley, não, mas, Lula, por exemplo, oposto de Miley, comunga com Perón em defesa da unidade sul-americana para se firmar como nova geopolítica global, por meio do BRICS, nova versão da “Tercera Posicion” peronista.
Tal unidade defendida por Peron, materializada na “Tercera Posicion”, é a essência de uma nova multipolaridade global, conquista dos trabalhadores na sua luta de libertação nacional, munidos por projeto essencialmente nacional, que se identifica na cultura popular, que se resplandecerá, segundo ele, em nacionalismo cultural.
A “Tercera Posicion” de Perón se materializa quando América do Sul busca transformar em poder político as suas próprias riquezas materiais conferindo-lhes valor real frente ao dólar candidato a se fragilizar depois do fim do petrodólar.
CONSCIÊNCIA DE CLASSE
Os sul-americanos precisarão, segundo o líder peronista, deixar de pensar com a cabeça externa para pensar com a cabeça interna no enfrentamento e solução do problema nacional por meio do nacionalismo.
A América do Sul, como potencial nova rica do mundo diante de um dólar sem futuro seguro, deslastreado, candidato a liquidificar-se, aguar-se, é o novo poder real que ainda não construiu sua concepção política capaz de servir de norte para uma nova ideologia internacional, porque o trabalhador, maioria da população, ainda não assumiu politicamente sua consciência de classe.
Materializada a “Tercera Posicion”, os povos sul-americanos, econômica e financeiramente colonizados e explorados em suas riquezas pelo capital internacional, se transformarão em novos colonizadores, se tomarem consciência de sua condição de classe social explorada pelo capitalismo cêntrico em crise no cenário da financeirização especulativa global.
HORA DO MATERIALISMO HISTÓRICO
“Tercera Posicion” marca novo materialismo histórico-dialético em que os trabalhadores organizados politicamente evoluem para a consciência de si como classe social explorada, destituída dos meios de produção, para virar o jogo sobre a classe social exploradora, burguesa, dona dos meios de produção, que explora mão de obra assalariada, sob capitalismo neoliberal em colapso.
O marxismo histórico e dialético, como diz o professor marxista Alysson Mascaro, prega que a luta de classe comanda o mundo capitalista burguês e que somente consciente da sua condição de classe social explorada, destituída dos meios de produção, pela classe oposta dos exploradores, a burguesia, dona desses meios produtivos, terá o trabalhador condições de revolucionar a economia política burguesa para uma economia dos trabalhadores.
A dualidade do real concreto em movimento de negação dialética expressa na contradição capital x trabalho, pobre x ricos, exploradores x explorados etc, é em si contraditória e tende a sua superação, para que nasça, dialeticamente, uma “Tercera “Posicion”, novo peronismo.
BRICS NOVA ENCARNAÇÃO DA “TERCERA POSICION”
Não seria o BRICS a encarnação da “Tercera Posicion” peronista que Miley se recusa a aceitar por ser representante da unipolaridade falida, aliado aos Estados Unidos e Europa em debacle, como demonstra a eleição francesa com avanço do fascismo?
“Tercera Posicion”, cinquenta anos depois da morte do maior líder argentino, continua atual, mas estaria em contradição com o racha político que se verifica na Bolívia, inviabilizando o ideal de união Sul-americana contra a exploração burguesa continental.
Peron discordaria de Luis Arce e Evo Morales, dois dirigentes de um dos mais importantes partidos da América do Sul, no poder, o MAS – Movimento ao Socialismo –, que entram em choque ideológico e abrem, consequentemente, espaço para a direita adversária, configurando clima de divisão e não de união da esquerda sul-americana.
O futuro da América do Sul, portanto, oscila entre a esperança do peronismo e o pesadelo de Miley, que conspira contra a “Tercera Posicion”.
Foto Diario con Vos
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.