Um comitê formado por representantes de 21 nações será responsável por avaliar se a cidade deve continuar como patrimônio histórico da humanidade oi se receberá o cartão vermelho. Até o final do ano, a representação da Unesco no Brasil enviará a Paris um relatório sobre a preservação do projeto de Lucio Costa
A Unesco já tem data definida para avaliar se Brasília ainda merece manter o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. O exame dessa condição de Brasília dar-se-á no ano que vem, em Paris, por ocasião da 47ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. O comitê é formado por representantes de 21 nações e o Brasil não faz parte dele. Da América Latina apenas México e Argentina tem assento.
Locais considerados patrimônio cultural da humanidade, como é o caso do o Taj-Mahal, na Índia, têm a capacidade de atrair milhares de turistas e impulsinoar as economias locais com um desenvolvimento mais sustentável. Brasília ainda não aprendeu a tirar proveito do seu título. Foto de Chico Sant’Anna.
O comitê se reúne todos os anos para examinar os relatórios sobre o estado de conservação dos sítios tombados como patrimônio da humanidade, bem como as demandas de outras nações para incluir novos sítios nessa relação protegida pela Unesco. Essa seleta e disputada lista inclui, dentre outras, as Pirâmides do Egito, Acrópole, com seu Parthenon, na Grécia; o Taj-Mahal, na Índia, Persépolis, no Irã; ou a Cidade Proibida, na China; e para o orgulho nacional, Brasília.
Perigo
Brasília passou a ser considerada Patrimônio Cultural da Humanidade por conta conjunto urbanístico-arquitetônico, feito a partir do projeto de Lucio Costa para a construção da capital, escolhido num concurso internacional em 1957. O que foi tombado é a genialidade e o ineditismo urbanístico. Alterar esses fatores, tais como a divisão em setores do Plano Piloto, pode ser motivo de reprimenda da entidade. O planejamento foi inscrito no Livro de Tombo Histórico pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 1987, a Unesco reconheceu o conjunto urbano como Patrimônio Mundial.
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A iniciativa do então governador José Aparecido em solicitar o reconhecimento do Plano Piloto como patrimônio nacional e internacional teve a intenção de proteger o projeto de Lucio Costa da ação da especulação imobiliária, como se verifica agora. Com o tombamento, a ideia é que novas construções e modificações em edifícios deveria estar em acordo à proposta original.
A Unesco havia enviado ao Governo do Distrito Federal uma solicitação de pré-exame das propostas de alteração do Plano Piloto de Lucio Costa. Tanto o GDF, quanto a Câmara Legislativa ignoraram tal apelo, que poderia dar mais segurança às propostas de alterações e evitar riscos de sanções da entidade vinculada à Organização das Nações Unidas.
Os membros do Comitê também atualizarão nessa reunião a lista de patrimônio mundial da humanidade que correm perigo e até mesmo a retirada desse sitio da condição patrimonial em decorrência dos seus estado de conservação. Essas duas últimas condições são o risco que Brasília corre, caso a Unesco entenda que o projeto de Lucio Costa foi desvirtualizado a ponto de não mais representar “valor universal excepcional”.
O comitê é formado por representantes da Argentina, Bélgica, Bulgária, Grécia, Índia, Itália, Jamaica, Japão, Cazaquistão, Quênia, Líbano, México, Qatar, Coréia do Sul, Ruanda, São Vicente e Granadinas, Senegal, Turquia, Ucrânia, Vietnam e Zâmbia
Segundo a representação da Unesco no Brasil, está previsto o envio, ainda nesse ano de 2024, de um relatório atualizado sobre o estado de conservação de Brasília, apurou a repórter Marcella Rodrigues, do portal G1-DF. Nele constarão comentários e recomendações para identificar soluções que preservem “os valores da cidade”. É esse relatório que irá orientar o Comitê e a aquiescência prévia das mudanças, conforme solicitado pela Unesco, poderia ter afastado qualquer risco de Brasília receber o cartão vermelho.
Patrimônios excluídos
Países politicamente mais poderosos que o Brasil, ou com sítios arqueologicamente mais significativos já perderam a condição de patrimônio cultural da humanidade. O Vale do Rio Elba em Dresden, Alemanha, havia sido declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em 2004. Devido à construção da Ponte de Waldschlößchen, em 2009, a Unesco retirou definitivamente o sítio da Lista do Patrimônio Mundial. Em 2007, o Santuário do Órix da Arábia, em Omã, também perdeu a condição devido a uma decisão do governo local de reduzir em 90% a área protegida do Santuário. Até mesmo o Mosteiro de Gelati, no Caucaso, datado de 1106 e tido como uma obra-prima da Era de Ouro da Geórgia Medieval, foi excluído em decorrência de reformas consideradas pela Unesco ameaçadoras à integridade e autenticidade da instalação religiosa.
A possibilidade de Brasília vir a perder sua condição de patrimônio mundial, o que seria um acontecimento vexatório para o Brasil diante das nações do mundo, não é assim tão remota. Tanto que já fez soar o alarme dentro da presidência da República e também no Senado Federal. Embora as regras aprovadas pela Câmara Legislativas no bojo do Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília – PPCUB sejam de competência local, os reflexos dela podem trazer consequências internacionais.
Sanção ou vetos
O projeto do PPCUB possui mais de mil páginas e anexos. Na sessão final de votação na CLDF poucos parlamentares tinham ciência exatamente do que ali estava sendo aprovado. A redação final do texto está em elaboração na Câmara para envio ao governador Ibaneis Rocha que terá quinze dias para aprovar ou vetar em parte ou no seu todo a nova lei. Lideranças comunitárias e a oposição na CLDF defendem o veto total e a elaboração de um novo projeto, com mais transparência, menos agressões a Brasília e que efetivamente proteja o Plano Piloto de Lucio Costa.
O governador já anunciou que vetará alguns pontos, aqueles que geraram de pronto maior reação negativa dos brasilienses, tais como motéis em áreas de escolas e igrejas, comércio no setor de Embaixadas, permissão de alojamento no Parque dos Pássaros, no final da L. 4 Sul – o que afasta a possibilidade da construção de um camping no local; alteração nos lotes da W.3 Sul.
Outras medidas, como a elevação da altura máxima para 35 metros de dezesseis hotéis no centro da cidade e a permissão para a construção de 22 mil residências em formato resort próximo ao Palácio do Jaburu – área de segurança nacional – ainda resistem, apesar da discordância do governo federal.
Os vetos de Ibaneis não são a palavra final. As alterações glosadas poderão ser reintroduzidas pela Câmara Legislativa. A tendência é que o PPCUB se transforme num imenso imbróglio jurídico, mas o reloginho da Unesco já está correndo e a 47ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial já está logo ali.
Toda essa situação exige de nossos mandatários responsabilidade e celeridade. Brasília não merece esse castigo.
Publicado por Chico Sant’Anna
Sou jornalista profissional, documentarista, moro em Brasília desde 1958. Trabalhei nos principais meios de comunicação da Capital Federal e lecionei Jornalismo também nas principais universidades da cidade. Ver todos os posts por Chico Sant’Anna
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