Ibama não deveria deter o poder de veto absoluto sobre empreendimentos produtivos.
O novo veto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à perfuração de um poço exploratório no litoral Norte do Amapá pela Petrobras ressalta a necessidade de uma urgente rediscussão sobre os superpoderes conferidos aos órgãos ambientais.
A experiência tem demonstrado que um órgão como o Ibama não deveria deter um poder de veto absoluto sobre projetos e empreendimentos produtivos. O seu papel deveria restringir-se a: avaliar os impactos socioambientais identificados nos estudos competentes; exigir dos empreendedores públicos e privados medidas mitigadoras e compensatórias adequadas; acompanhar e cobrar a sua implementação, se preciso, judicialmente; e, em casos extremos, orientar as autoridades relevantes em processos de interdição.
As exceções à regra, nas quais se considerassem que os impactos negativos pudessem superar os benefícios socioeconômicos dos empreendimentos, poderiam ser julgadas por um colegiado interministerial próprio, apto a avaliar a situação com um olhar mais equilibrado que o de tecnocratas que, com frequência, colocam o zelo ideológico e o apreço por uma visão idílica do meio ambiente à frente das evidências científicas e técnicas, do mero senso comum e do interesse público.
E não se trata apenas da Petrobras. Em Mato Grosso, o estado foi proibido de efetuar uma dragagem parcial do rio Paraguai entre Corumbá e Ladário, para permitir a livre navegação de comboios de barcaças. O asfaltamento completo da rodovia BR-319 (Manaus–Porto Velho) virou um dramalhão interminável. A Ferrogrão é preterida para não se suprimir 0,06% (seis centésimos de um por cento) do Parque Nacional do Jamanxim. Os exemplos são legião, evidenciando graves equívocos na aplicação da draconiana legislação ambiental brasileira.
No caso do licenciamento ambiental para o bloco FZA-M-59, os argumentos do “novo” parecer do Ibama, idênticos aos apresentados há 15 meses, denotam uma clara intenção de procrastinar o processo ad aeternum, com o objetivo de forçar a desistência da Petrobras, como ocorreu com as empresas BP e TotalEnergies, concessionárias anteriores do bloco, que desistiram por não conseguir superar as barreiras burocráticas reiteradamente impostas pelo órgão.
O pretexto-chave é a possibilidade de um vazamento de óleo na área situada a cerca de 170 km da costa do Amapá, ao largo do município de Oiapoque. Ocorre que a área está sob a influência da Corrente Norte do Brasil, que flui de sudeste para noroeste, de modo que, pela posição do bloco, um eventual vazamento tenderia a espalhar-se em alto-mar, em vez de aproximar-se do litoral.
Por ironia, isso foi comprovado pela própria ONG que encabeça a campanha contra a exploração da Margem Equatorial Brasileira desde a concessão da BP/TotalEnergies, o Greenpeace. Em março deste ano, a Expedição Costa Amazônica Viva da ONG lançou ao mar sete boias derivantes equipadas com GPS. Delas, cinco foram soltas próximas à costa e, previsivelmente, acabaram dando à terra em vários locais, inclusive, em unidades de conservação, que ocupam 80% do território amapaense.
As duas restantes, soltas na área do bloco e impelidas pela Corrente Norte do Brasil, cruzaram rapidamente a projeção marítima da fronteira brasileira com a Guiana Francesa, a cerca de 50 km de distância, dirigindo-se para o alto-mar (uma didática animação dos resultados encontra-se no site do Greenpeace).
É implausível que o corpo técnico do Ibama, o qual inclui profissionais de Oceanografia, ignore tais fatos elementares. Ademais, a Petrobras tem um histórico de segurança exemplar nas atividades offshore, com mais de 6 mil poços perfurados desde 1968, sendo mais de mil de produção, sem um único incidente de vazamento de monta.
Sem mencionar que a empresa se comprometeu a investir até R$ 150 milhões na construção de uma base para o atendimento emergencial à fauna em casos de hipotéticos vazamentos de óleo que, em última análise, jamais chegariam ao litoral. Para referência, a quantia representa cerca de 1,5% do orçamento de 2024 do Amapá, cuja população, uma das mais pobres do País, seria bem melhor servida se uma fatia maior desses recursos fosse orientada para ações com impactos socioeconômicos positivos, item raramente avaliado de forma adequada nos estudos de impacto ambiental.
Nada disso implica carta branca ou condescendência com os impactos ambientais das atividades produtivas, mas é preciso que esta relação seja mediada por uma adequada proporcionalidade, na qual os benefícios socioeconômicos e os aspectos estratégicos dos empreendimentos não podem ficar em segundo plano.
Em Mato Grosso, o veto do Ibama fez com que o minério de ferro produzido na região tenha que ser transportado por rodovia, modal mais caro, poluente e propenso a acidentes que o hidroviário. “Alguns técnicos absolutamente radicais, que nunca vieram ao Pantanal e que estão no ar-condicionado em Brasília, estão impedindo este trabalho… A gente não pode abrir mão disso. No mundo inteiro são feitas intervenções de manutenção nas hidrovias, que são o meio mais barato e ecologicamente mais correto de transporte. Aqueles burocratas de Brasília precisam entender isso”, disparou o deputado estadual e ex-prefeito de Corumbá Paulo Duarte (Correio do Estado, 19/10/2024).
Dificilmente entenderão. Por isso, é mais que hora para um debate sério sobre esse tema crucial para o pleno desenvolvimento do País.
(*) Geraldo Luís Lino é geólogo, ex-consultor ambiental, escritor e diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa).