CU revela que apenas 1% dos contratos é fiscalizado pela ANM, que sofre desmonte; só a Vale teria sonegado R$ 2,8 bi
maior mineradora do país, que acumula recordes de lucratividade na Bolsa de Valores brasileira, é também a que mais se beneficia do sucateamento da Agência Nacional de Mineração (ANM). Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no órgão mostra que a Vale não pagou, em seis anos, R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos pela utilização econômica dos recursos minerais.
O montante representa 71,5% dos R$ 4 bilhões da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) que caducou entre 2017 e 2021, referente a dívidas anuais que se arrastavam desde 2002, por inoperância do governo federal.
Os quatro municípios mais prejudicados pelo calote das empresas foram Mariana, Ouro Preto e Itabira, em Minas Gerais, e Parauapebas, no Pará. Apenas Mariana – onde ocorreu em 2015 o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton – deixou de receber cerca de R$ 262 milhões de royalties do minério. Os estados de Minas Gerais, Pará, Amapá e Espírito Santo também estão entre os mais afetados pela falta de pagamento das mineradoras.
Enquanto postergava o pagamento da Cfem até prescrever, a Vale alcançou em 2021 um lucro histórico entre as empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, de R$ 121 bilhões. Ou seja, a Vale deixou de pagar, em média, em seis anos, R$ 7,6 milhões por dia, mesmo tendo, em 2021, por exemplo, um lucro médio diário de R$ 330 milhões.
Responsáveis por grandes tragédias humanitárias e ambientais, as mineradoras encontram no Brasil o cenário perfeito para faturar bilhões sem pagar ao estado pela exploração mineral. A ANM, criada para regular e fiscalizar o setor que é responsável por 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, alcançou o menor efetivo da história e o maior déficit de pessoal de todo o serviço público federal.
O órgão conta com 659 funcionários, que representam 34,2% dos 2 mil cargos previstos em lei. Desses, somente quatro trabalham na fiscalização de 39,3 mil processos ativos. Segundo a agência, seriam necessários pelo menos mais 200 servidores apenas para atender satisfatoriamente às demandas de fiscalização.
Nos últimos anos, foram fiscalizados 1,1% dos 6,1 mil processos ativos de concessão de lavra sem pagamento da Cfem e apenas dois dos 1,1 mil processos ativos de autorização de pesquisa, com guia de utilização, que também devem pagar a compensação. Para se ter uma ideia, em 2022, a ANM fiscalizou apenas 17 empresas de mineração.
E, para piorar, o sistema de arrecadação usado pelo órgão foi concebido na primeira década de 2000 e não permite estimar o volume da produção nem certificar se o valor devido foi integralmente pago pelo titular do direito minerário.