“Vital, o musical dos Paralamas” encanta com emoção e performances impecáveis, celebrando a trajetória e amizade da icônica banda brasileira. Por Paulo Alonso
Simplesmente imperdível. Uma viagem ao tempo. Essas são algumas das sensações sentidas que se tem ao assistir ao espetáculo Vital, o musical dos Paralamas, em cartaz no Teatro Claro Rio, antigo Tereza Rachel, em Copacabana. O texto primoroso de Patrícia Andrade, filha do saudoso jornalista Evandro Carlos de Andrade, é primoroso, assim como são impecáveis o trabalho do diretor artístico, Pedro Brício, do diretor musical e arranjos, Daniel Rocha, e da coreógrafa Márcia Rubin Os atores Rodrigo Salva, encarnando Herbert Vianna, vocal e guitarra; Gabriel Manita, interpretando Bi Ribeiro, baixo; e Franco Kuster, vivendo João Barone, bateria, apresentam performances sensacionais. Como se a plateia estivesse vendo os três fundadores dessa banda de rock, formada em 1983. Com casas sempre lotadas e aclamado pela crítica, o show dura duas horas, mas nem se percebe o tempo passar, com tantos movimentos em cena e com a qualidade dos intérpretes exibida. Inicialmente, a banda misturava rock e reggae e, posteriormente, os músicos passaram a agregar instrumentos de sopro e ritmos latinos.
A música, de fato, tem o poder de transformar, unir e inspirar, assim como a amizade verdadeira. Esse musical é muito mais do que uma homenagem a uma das maiores bandas do país, é, na realidade, um tributo à longevidade de uma amizade que se mantém forte por mais de quatro décadas.
Vital fala sobre um dos maiores fenômenos da música, com uma banda que já vendeu milhões de discos e fazendo turnês grandiosas, além de incontáveis sucessos. É naturalmente sobre a carreira mágica dos “Paralamas”, mas é também a história de três jovens amigos que dividiram um sonho e o amor pela música, de forma litúrgica.
Patrícia Andrade diz que Vital é irmandade, acolhimento, superação, um vínculo sonoro, cada novo verso, cada novo acorde. “É um repertório cheio de emoção. Para mim, é também a palavra, a escrita, a arte que possibilita contar histórias como essa, talvez a melhor tradução da expressão ninguém solta a mão de ninguém, e nem o coração.
Ao longo da apresentação, “Alagados”, “Busca Vida”, “We are the champions”, “Aonde quer que eu vá”, “Lanterna dos afogados” e, dentre outras, “Longo caminho” são cantadas e interpretadas pelo elenco, que ainda conta com a Maria Vitória Rodrigues, Barbara Ferr, Nando Motta, Hamilton Dias, Ivanna Domenyco, Herbert Vital, Pedro Lu e Rodrigo Vecchi. Todos atuando de forma estupenda.
Momento tenso se dá quando os músicos tomam conhecimento do desastre envolvendo Herbert Vianna. Choro e perplexidade. Lucy, sua mulher, morre. Ele fica entre a vida e a morte, meses no hospital. Vai se recuperando, com lapsos de memória, sem andar. Os dois outros integrantes pensam que será o fim da banda, abordam essa questão, com profunda tristeza e desencanto. As cenas são mostradas de forma bastante densa, com toques de medo e de pavor, no tempo certo de cada fala, com angústia, tristeza e esperança, também.
Tudo começou em 1977, quando Herbert Vianna se mudou de Brasilia para fazer o Ensino Médio em um colégio militar, no Rio de Janeiro, e reencontrou Bi Ribeiro, amigo de infância da capital brasileira que estava no terceiro ano na mesma instituição. Os dois compartilhavam do gosto pelo rock e começaram a ensaiar juntos de forma amadora, uma vez que Herbert tocava guitarra e Bi baixo, convidando ainda para se juntar a eles o baterista Vital Dias, amigo do baixista. Dois anos depois, os três amigos deixaram de se ver por conta do vestibular e só voltaram a se reencontrar em 1981. Nesse ano, voltaram a ensaiar juntos em um sítio em Mendes, no interior fluminense, e na casa da avó de Bi, em Copacabana, quando também passaram a compor canções de cunho humorísticas, como “Vovó Ondina é Gente Fina”, “Mandingas de Amor”, “Reis do 49” e “Pinguins? Já Não os Vejo Pois Não Está na Estação”. Além disso, os amigos trouxeram Ronel e Naldo como vocalistas da banda, que foi batizada originalmente como “As Cadeirinhas da Vovó”.
Em 1982, os amigos decidiram se tornar uma banda profissional e passar a compor a sério, porém Ronel e Naldo não visavam seguir a carreira artística e decidiram não fazer parte do projeto. Herbert, que até então tocava apenas guitarra, se tornou também vocalista da nova banda, batizada Os Paralamas do Sucesso” Em 1982, Vital faltou a uma apresentação na Universidade Rural do Rio e foi substituído por João Barone, que assumiu de vez o lugar na banda pela inviabilidade de continuar na carreira artística do baterista original, mantendo ainda uma relação de amizade com eles fora dos palcos. Na ocasião, a banda enviou a demo da canção “Vital e sua Moto”, para a Rádio Fluminense FM, se tornando uma das mais tocadas na rádio no verão de 1983. Em janeiro, a banda abriu os shows de Lulu Santos, no Circo Voador, fato que chamou atenção da EMI, com quem assinaram contrato. No mesmo ano, a banda lançou o álbum “Cinema Mundo”, trazendo as canções humoradas escritas antes de se profissionalizarem, o que a banda era contra, porém tendo sido obrigados pela gravadora para garantir um lançamento sério futuro.
Toda essa trajetória é apresentada pelos atores no palco, sempre com músicas cantadas, o que permite ainda mais charme e sedução junto a plateia, que acompanha, cantando e dançando todo o tempo, as músicas exibidas.
No dia 4 de fevereiro de 2001, um ultraleve pilotado por Herbert teve um acidente, em Mangaratiba. A mulher de Herbert, Lucy, estava a bordo e morreu. Herbert foi resgatado e levado para a capital. As sequelas foram duras, Herbert fora entubado e acabou ficando paraplégico, mas assim que Herbert mostrou que podia tocar, Bi e João resolveram voltar aos ensaios e gravar um disco cujas canções já estavam preparadas antes do acidente. Todo esse período é encenado, parte em um leito de hospital, parte em conversas com os dois remanescentes sobre o futuro da banda.
“Os Paralamas do Sucesso” é uma banda única, com uma história que vale muito a pena ser contada e cantada. O que o processo criativo de ensaiar o espetáculo deu a esses artistas foi muito entusiasmo e alegria, como conta Pedro Brício, além de a percepção de que a vida é imensa e, ao mesmo tempo, muito frágil. Empolgada com o sucesso do musical, Márcia Rubin diz que “dançar a música dos “Paralamas” é estar em liberdade. Para ela, “a fusão de estilos que define a sonoridade da banda me guiou na construção das coreografias, onde cada movimento e passo refletem o espírito livre de suas canções.”
Os versos “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu”, música “Tendo a lua”, e “são tantas marcas que já fazem parte do que sou agora, mas ainda sei me virar”, em “Lanterna dos afogados” ou “ se for mais veloz que a luz, então escapo da tristeza”, de em “Busca a vida”, mostram a criatividade, a poesia, o romantismo, a beleza textual e, sobretudo, a genialidade dessa banda que há 40 anos, mesmo driblando grandes obstáculos, tem feito a felicidade de uma legião de fãs, que não só admira seus ídolos, como os aplaude com intensidade em seus shows, Brasil afora e no Rock in Rio.
(*) Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula