A juventude argentina desesperada pelo desemprego e miséria social crescentes perdeu a crença na esquerda liberal peronista-kirchnerista que elegeu, mas que não foi capaz de promover desenvolvimento sustentável suficiente para gerar emprego e renda de modo a girar capitalismo portenho dependente de poupança externa.
A disposição sem vergonha de atender condicionalidades dos credores da dívida pública para cortar gastos e salários, vender empresas estatais e atacar direitos sociais dos trabalhadores leva tal esquerda a entrar em contradição total entre teoria e prática.
Suas pregações de campanha eleitoral foram completamente anuladas ao ter que se submeter aos ajustes fiscais e monetários no período pós eleição por imposição do imperialismo financeiro como condição para continuar rolando títulos do tesouro, da dívida pública, a taxas de juros cada vez mais elevadas.
A pequena burguesia perdeu competitividade no ambiente dos juros altos e entrou em estresse total.
Sem poder, dessa maneira, atender as demandas sociais prejudicadas pelo processo de concentração de renda e desigualdade social decorrente da lógica financeira imperialista, o desgaste da esquerda neoliberal colocou-a em choque com seus eleitores, visto que perdeu condições de cumprir promessas eleitorais.
Na Argentina, o governo peronista-kirchnerista de Alberto Fernandez, herdeiro de empréstimos de 44 bilhões de dólares do FMI tomados por teu antecessor, o ultraneoliberal Maurício Macri, a juros escorchantes, para serem liquidados sob condicionalidades impossíveis de serem cumpridas, entrou em crise.
INFLAÇÃO INCONTROLÁVEL PÕE VACA NO BREJO
Sem disposição para enfrentar as condicionalidades insuportáveis impostas pelo imperialismo financeiro tirano, o governo peronista se viu diante de inflação incontrolável decorrente de desvalorizações crescentes da moeda para exportar matérias primas de modo a acumular reservas capaz de servir aos credores.
A sobreacumulação de capital por parte dos bilionários argentinos do agronegócio (soja, carne e milho), sócios menores dos detentores do capital financeiro, responsáveis por bancar safras agrícolas mediante empréstimos controlados por fundos financeiros internacionais, impôs, em contrapartida, deterioração nos termos de troca.
O resultado, como se vê, foi incontrolável desvalorização do peso argentino, pura moeda quente no bolso da população, a acelerar escalada hiperinflacionária.
Foi nesse ritmo de desgaste crescente que o governo Fernandez, nesse ano, procurou socorro desesperado junto ao presidente Lula para que Brasil financiasse transações comerciais entre os dois países ao largo do dólar.
Ao mesmo tempo, tentou, junto ao governo chinês, empréstimos em yuan para liquidar dívidas em moeda americana, sem saber se o governo Biden iria concordar, sabendo que o chefe da Casa Branca tem baixado ordens executivas para cercear a atuação econômica chinesa no campo da concorrência internacional, como no caso dos chips etc.
Fernandez, praticamente, montou ponte aérea Buenos Aires-Brasília, para acelerar negociações, enquanto foi perdendo condições de comandar a própria sucessão presidencial, renunciando, por fim, a essa tentativa, completamente, infrutífera.
Lula não agiu a tempo – ou não teve fôlego, diante das restrições fiscais que enfrenta – para desafogar a crítica situação do chefe da Casa Rosada, que mergulhou, politicamente, no abismo.
TIRANIA FINANCEIRA IMPERIALISTA EMBALOU FASCISTA JAVIER
A tirania financeira dos credores colocou o FMI como cão de guarda dos seus interesses, tirou Fernandez de cena e colocou como seu substituto heroico ministro da Fazenda, Sérgio Massa, que acabou virando candidato à presidência apoiado pela embaixada americana em Buenos Aires.
Nesse cenário, o fascista Javier Milei avançou sem ser levado a sério por ninguém na Argentina, só se consagrando quando as urnas foram abertas, no domingo, causando terremoto político.
Quem o elegeu, majoritariamente, foram os jovens, deserdados pelo receituário anti-desenvolvimentista do FMI, patrocinador maior do desemprego e da miséria portenha, motor de extração de riqueza dos assalariados para ser transferida ao imperialismo financeiro especulativo bombeador da destruição do peso.
O próprio FMI ficou alarmado com a vitória do fascismo que ele embalou ao atuar como agiota, como faz, aqui no Brasil, o Banco Central Independente, igualmente, operado pelo imperialismo financeiro americano.
Hoje, Javier já se sente o personagem mais importante do país, porque os homens do Fundo Monetário se acercam dele para conduzir o processo de tirania financeira, que virou a rotina da política econômica imperialista na Argentina, bem como no Brasil, onde vigora a mais alta taxa real de juro do mundo.
PROCESSO ORGÂNICO IMPERIALISTA FASCISTA
O imperialismo financeiro não é mais apenas aquele descolado das atividades produtivas para se multiplicar na especulação, a fim de sustentar sua taxa de juro crescente diante de economia real afetada pela desigualdade social.
É muito mais que isso.
Ele comanda organicamente a economia na periferia capitalista e, no caso da Argentina, calculou mal, junto com o FMI, a condução da sucessão presidencial.
Washington e seus agentes imperialistas levaram a situação de deterioração a tal ponto que o candidato à sucessão mais adequado aos interesses dos credores passou a ser o ministro da Fazenda do governo comandado por centro-esquerda neoliberal, descolado, completamente, da agenda popular.
Resultado da ópera bufa em que se transformou a economia portenha: o candidato dos credores à Casa Rosada, um liberal de esquerda, Sérgio Massa, tocou a tropa na corrida final das eleições primárias amplas simultâneas obrigatórias (PASO), chegando em terceiro lugar.
A embaixada americana que pensou ser possível conduzir a esquerda liberal amansada foi atropelada pelos fatos.
O império financeiro tirânico viu o processo escapulir de suas mãos, escorrendo pelos dedos, tornando-se, em contrapartida, promotor do fascismo que caminha para previsível triunfo na eleição presidencial de outubro.
O imperialismo financeiro tenta mudar de parceiro no meio da corrida porque apostou no cavalo errado.
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
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