Comemorando neste 17-A o aniversário 123 do nosso escritor
Por > Joaquim Lisboa Neto
[E vê se pode mandar dizer ao Osório Alves de Castro que escreva logo, logo, logo, o “Porto Calendário”, que deve ser alguma coisa carnuda, tutanuda, já estou certo]
Esc’rafunchando documentações impressas concernentes a Osório Alves de Castro, cheguei à conclusão de que dificilmente o romance “Porto Calendário” seria editado se não fossem as instigações, em distintos momentos, eu diria até insistentes, felizmente, promovidas pelo autor de “Grande Sertão: Veredas”.
Redescobri algumas declarações expressadas pelo nosso conterrâneo, ademais de outras emitidas por entusiastas dele, que confirmam de maneira cabal essa assertiva resumida no título destas linhas.
Senão vejamos.
“Senti uma ajuda agora, com a coragem e a inteligência de J. Guimarães Rosa. Mando-lhe alguns dos seus personagens e aspectos, através da minha sapiranga. Um livro é um filho que o universo põe nas nossas entranhas e tem que nascer.”
[José Herculano Pires – Porto Calendário – prefácio à 1ª edição – O URUCUIANO OSÓRIO ALVES DE CASTRO, p. 10]
“Quando Guimarães Rosa lançou o Grande Sertão: Veredas, o país inteiro o recebeu espantado gritando: é um absurdo! É uma invenção! Ouvi mesmo um velho intelectual dizer ser uma blasfêmia.
Outros, estonteados pela revelação, removeram a glória de Joyce para as terras do Urucuia e plantaram-na monumentalmente no delírio das abstrações e das crises de heteronímia.
Para mim foi um chamado. Passei por cima dos meus complexos de puritanismo da velha Bahia, onde as travadas da Réplica e da Tréplica ressoavam purificando as leis, que seriam empregadas em homens de quem arrancavam a alma, e segregaram-lhes no abandono e na miséria para justificar uma preponderância de eleitos. Ouvi e atendi à linguagem de um escritor falando para o Universo, com a sua audácia, o seu gênio, a mesma linguagem que eu ouvi em minha casa, em minha cidade, e dos habitantes do grande Vale, atualmente visto pelos “experts” do desenvolvimento, caçadores de dividendos, como um simples episódio de trânsito. Encorajei-me à apresentação”.
[UMA NOVA DIMENSÃO NO ROMANCE BRASILEIRO –Osório Alves de Castro. Conferência pronunciada na Faculdade de Letras de Marília, a 6-5-1963, em atendimento a um convite da Subcomissão Estadual de Literatura de Marília, SP]
“E, agora, a carta. A espantosa, a estouradora carta, mensagem dos cem mil cavaleiros; aquilo é o Sertão do São Francisco, nosso, inteiro, despejando gente célebre, e lugares enrolados, tudo isso com os respectivos foguetes, tiros, relinchos de cavalos: a carta de Osório Alves de Castro! Ai, de novo, tonteei. Oh, o homem do São Francisco! Pudesse eu ia lá, em Marília, conversar com ele, três noites e três dias, seguidos, sem pausa nem pio, sem fio nem pavio. Foi para mim uma rajada, um desembesto, um desadoro, um desabalo. Não tenho palavras. Foi um filme doido, vero, cinerama, passando diante de mim, de minha velhice na infância. Relembrei, de repente, mais um milhão de fatos, ricas coisas. Vou relembrar mais. Vou despejar. Deus é grande […] E vê se pode mandar dizer ao Osório Alves de Castro que escreva logo, logo, logo, o ‘Porto Calendário’, que deve ser alguma coisa carnuda, tutanuda, já estou certo —ele escreve, na carta se vê, milhões de vezes— com uma verdade de realidade e de arte, com um fervor novo, uma tremenda e poderosa pulsação de vida. Esse homem Osório Alves de Castro eu quero ver, ouvir, abraçar e conhecer, para admirar mais…
Será que ele nunca vem ao Rio?”
[Do livro “Sagarana Emotiva” de Paulo Dantas, “Cartas de J. Guimarães Rosa”]
A carta a que Guimarães Rosa se refere, intitulada A REGIÃO SÃO FRANCISCANA, foi escrita por Osório em Marília a 5 de março de 1957, destinada a J. Herculano Pires, o referido prefaciador da 1ª edição de Porto Calendário; foi publicada na Revista Diálogo nº 8, novembro 1957.
“[…] Depois conta como o romance chegou ao conhecimento de uma editora:
— “Eu li o ‘Grande Sertão: Veredas’ de Guimarães Rosa. Fiz-lhe uma carta onde dizia que, embora ele tivesse feito uma estilização erudita da linguagem da região, muita coisa se parecia com o que eu havia escrito no meu romance despretensioso. Ali ele escreveu ao Paulo Dantas, que me pediu os originais. Dei-os com relutância, pois nunca havia procurado editor nem pretendia publicá-los.”
[Barranqueiro do São Francisco Escreve Romance Narrando os Dramas do Seu Rio – Correio Paulistano, 2 Abril 1961]
Camaradas, tai o resultado da garimpagem que sustenta o título deste texto; nela me foram consumidas algumas horas ou alguns dias, perdi noção de tempo e espaço na empreitada, com muito prazer, podem crer.
O certo é que a literatura brasileira, com Guimarães Rosa atiçando Osório Alves de Castro, marcou um gol de placa com este parindo o Porto Calendário.
E nossa Santa Maria, muito particularmente, e o Vale do Corrente em geral, têm uma eterna dívida de gratidão com o mineiro de Cordisburgo, criador de João Goanhá, Riobaldo e Diadorim, por ter catapultado nosso conterrâneo-romancista ao cenário literário nacional.
Biblioteca Campesina, 17 abril 2024
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.