Há exatos setenta anos, em 1º de Maio de 1954, o Presidente Getúlio Vargas assinou o decreto que aumentava em 100% o salário mínimo em todo o país. Na solenidade em que assinou o decreto, Getúlio discursou e transmitiu aos trabalhadores aquela profética mensagem que antecipava a chegada da Era Lula:
– Hoje estais com o poder. Amanhã sereis o poder!
Se naquele momento os trabalhadores apoiavam o governo, logo seriam eles o governo – o que demoraria ainda cinquenta anos porque o golpe de 1964 e seus Atos Institucionais retardaram o curso da história no Brasil pelos vinte anos seguintes.
O decreto de Getúlio foi imediatamente impugnado por um sindicato patronal, o das indústrias têxteis do Rio, sob o argumento de que a Constituição não dava ao Presidente da República a prerrogativa de reajustar o salário mínimo. Mas na vigência dessa Constituição, a de 1946, Getúlio já tinha decretado dois reajustes nesse segundo governo, iniciado em 1951, e em seu primeiro governo, derrubado em 1945, decretara o primeiro salário mínimo em 1940 e o reajustara pelo menos uma vez, para compensar a inflação e a alta do custo de vida resultantes da Segunda Guerra Mundial.
No governo do General Eurico Dutra, de 1946 a 1951, entre o primeiro e o segundo governo Vargas, o salário mínimo nunca foi reajustado e ficou mortalmente congelado por cinco anos, apesar de um aumento de pelo menos 40% nos índices do custo de vida naquele período. Para impedir que os sindicatos se mobilizassem em favor de qualquer reajuste, Dutra interveio em cerca de metade dos cerca de novecentos então existentes, destituindo suas diretorias eleitas ou cancelando eleições já programadas.
Assim, foi somente Getúlio quem estabeleceu os índices do salário mínimo no período entre 1940 e o aumento de 100% em 1º de maio de 1954. No fim de julho, o Supremo julgou a impugnação desse aumento e decidiu, naturalmente, que ele era constitucional, sim, e teria de ser pago a partir de agosto.
Em agosto, o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, no qual foi morto o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, desencadeou a crise e a campanha golpista para derrubar Getúlio. Os golpistas queriam-no preso e humilhado para poderem derrubar decisões dele como a duplicação do salário mínimo e a criação da Petrobrás, que no dia 1º de agosto assumiu o controle efetivo de todas as reservas de petróleo do país. Os golpistas achavam que, derrubando o governo, derrubariam também seus avanços, mas o suicídio de Getúlio foi a resposta fulminante que transformou a tragédia em triunfo: de imediato, ela salvou o salário mínimo e salvou a Petrobrás; a mais longo prazo, ela, entre outras coisas, adiou por dez anos o golpe de 1964.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.