Sou discípulo do professor Clodomir Morais, com muito orgulho.
Paulo Freire
Nasceu em Santa Maria da Vitória, Bahia, no dia 30 de setembro de 1928, onde iniciou seus estudos no curso elementar.
Fez os cursos ginasial e colegial [atuais fundamental e médio] em São Paulo, capital, e lá trabalhou na agricultura e na indústria de montagem de automóveis Ford.
Iniciou-se no jornalismo atuando nos diários A HORA e O SPORT.
Estreou na atividade política de esquerda, juntamente com os seguintes companheiros: o pintor Luis Enjorras Ventura, que mais tarde se transformou num famoso muralista da UNESCO; o educador Dario de Lorenzo, que foi vereador da Pauliceia e que motivou o deputado estadual Abreu Sodré para, a exemplo da Missão Econômico-Parlamentar e Cultural criada por Clodomir Morais na Assembléia Legislativa de Pernambuco, levar, na mesma época, a Moscou idêntica missão; a companheira Radah Abramo, mais tarde a socióloga da arte; e Fernando Henrique Cardoso.
Em 1950, antes de chegar a Santa Maria da Vitória, Clodomir Morais trancou a matrícula do curso de Ciências Sociais que fazia na Faculdade de Sociologia da USP [Rua Maria Antônia, Higienópolis].
De Santa Maria seguiu para Salvador, objetivando organizar o Congresso de Estudante Secundaristas do Rio São Francisco, realizado em Juazeiro da Bahia, a fim de impor ao governo Otávio Mangabeira a criação de ginásios na região são-franciscana.
Antes criou a Sociedade de Trabalhadores de Santa Maria da Vitória [STSMV], inspirada pelo saudoso Manuel Cruz, quem exerceu como um dos fundadores da Sociedade Operária na vizinha cidade de Santana dos Brejos, e que teve como vice e na sequência presidente o genial carranqueiro Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany. Clodomir foi o primeiro presidente da organização.
Depois de vitorioso o Congresso de Estudantes Secundaristas, Clodomir Morais fundou e dirigiu, em Salvador, em 1951, o semanário CRÍTICA, o único jornal de oposição ao governo de Régis Pacheco. Esse jornal veio preencher a lacuna do diário O MOMENTO, do Partido Comunista Brasileiro [PCB]. O combativo hebdomadário foi assaltado e suas oficinas foram destruídas covardemente pela polícia.
Daí ele seguiu para o Recife, onde formou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, UFPE.
Foi repórter dos jornais Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Diário da Noite, “Jornal Pequeno”, Folha da Manhã, Folha Vespertina e Correio do Povo, além das Rádios Clube e Olinda.
Nas décadas de 1950 e inícios de 60, período em que morou na capital pernambucana, foi, junto com Francisco Julião, organizador e responsável pelo setor militar das Ligas Camponesas, primeira experiência de guerrilha socialista no Brasil. Os futuros guerrilheiros, saídos principalmente de Pernambuco, faziam treinamento em Cuba, já que as Ligas tinham relação de solidariedade profunda com a Revolução Cubana.
Na política partidária, exerceu como deputado estadual eleito pelo PCB de Luiz Carlos Prestes, abrigado na legenda do PTB de Getúlio Vargas, de 1955 a 1959. Ressalte-se que ele foi o candidato mais votado da esquerda nas eleições de 1954.
Três ações exitosas marcaram o mandato de Clodomir Morais na Assembléia Legislativa de Pernambuco, todas elas objetivando a expansão do emprego no Nordeste:
a – Organização e realização do Congresso de Salvação do Nordeste, que deu, logo depois, no surgimento da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste [SUDENE]. Desse congresso participaram 1.200 delegados de diferentes classes sociais do Nordeste que, durante uma semana, discutiram tête-à-tête os problemas socioeconômicos dos oito estados da região. Marcou presença no evento o legendário economista Celso Furtado.
b – Criou e dirigiu, em 1957, uma ampla delegação parlamentar de Pernambuco e Paraíba aos países do Leste europeu e outros países do ocidente europeu a fim de forçar o estabelecimento de relações culturais e comerciais com a União Soviética, Tchecoeslováquia, Alemanha Oriental, Alemanha Federal e demais países socialistas da Europa e da Ásia, as quais foram possibilitadas nos seis meses do curto governo de Jânio Quadros.
c – Fez a Assembléia Legislativa de Pernambuco aprovar, por unanimidade, o seu projeto de criação do Banco de Desenvolvimento de Pernambuco [BANDEPE]. Em tom jocoso, Clodomir Morais sempre dizia: “Eu sou um lascado em matéria de dinheiro, porém fundei um dos grandes bancos do país.” O papel prioritário do BANDEPE era financiar empreendimentos que pudessem gerar milhares de postos de trabalho e renda.
Em 1962 foi, juntamente com Célia Morais, sua segunda esposa, preso e barbaramente torturado no Rio de Janeiro, vigorava o governo Carlos Lacerda, O Corvo, um dos principais perpetradores do golpe civil-militar de 64.
Através do ato Institucional nº 1, na lista dos cem primeiros cassados pelos militares golpistas, ele aparece ocupando o honroso 12º lugar. Após dois sofridos anos de prisão, amargou exílio de quinze anos, inicialmente no Chile.
Naquele país sul-americano, atuou no Instituto de Capacitação e Pesquisa para a Reforma Agrária [ICIRA, por suas siglas em espanhol], e logo após ingressou na Organização das Nações Unidas [ONU]/Organização Internacional do Trabalho [OIT], como Conselheiro Regional para a América Latina em Assuntos de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural.
Desempenhou suas atividades com extraordinária competência, gerando recebimento de convites expedidos por várias entidades internacionais.
Prestou consultorias, ademais da OIT, para várias agências da ONU, a saber: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação [FAO], Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento [UNCTAD], Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados [ACNUR] e Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL].
O santa-mariense cidadão do mundo elaborou e dirigiu projetos de Capacitação em Organização em Honduras, Panamá, Costa Rica, Moçambique, Guiné-Bissau, México, Nicarágua e Portugal; foi consultor de um sem-número de agências para missões técnicas na Europa, América Latina, África e Ásia, nas questões de organização camponesa.
Já na primeira metade dos anos 80s, Clodomir Morais foi professor residente das Universidades de Rostock [Alemanha[, Autônoma de Chapingo-UACh [México] e de Brasília [UnB], na qual fundou, em 1988, o Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo [IATTERMUND], instituição que tinha como objetivo principal gerar emprego e renda, uma vez que o desemprego se constituía e ainda se constitui no problema mais grave dos países em desenvolvimento.
O IATTERMUND, quando em atividade, apoiou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST] na formação de quadros de nível de base e nível médio, com os TDC-Técnicos em Desenvolvimento Cooperativo.
Foi ele o criador da Metodologia de Capacitação Massiva Geradora de Emprego e Renda, aplicada em vários continentes [Américas, Europa, África e Ásia], resultando na criação de milhares de empresas autogestionárias, com destaque para Honduras, América Central.
As primeiras edições em português da sua cartilha Elementos de Teoria da Organização foram produzidas pelo Núcleo de Educação popular 13 de Maio – NEP e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST], através do Caderno de Formação nº 11, cartilha esta que, ao alcançar 1 milhão de exemplares em 34 países e em 7 idiomas e dialetos, a Câmara dos Deputados do México fez publicar uma edição especial para a criação do Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda [PRONAGEI] mexicano.
Morais foi professor conferencista nas Universidades de Berlim [Alemanha], Wisconsin [Estados Unidos], Autônoma do México, e em todas as Universidades Autônomas dos países da América Central, Colômbia e Venezuela, além das universidades africanas Agostinho Neto, de Angola, Eduardo Mondlane, Moçambique, Institutos de Pesquisas Socioeconômicas de Harare, Zimbábue, e de Genebra, Suíça. Nos anos em que esteve na Alemanha Oriental, fez o curso de Doutorado em Sociologia da Organização.
Dele, inúmeros livros foram publicados, dos quais destacamos os seguintes:
- Dicionário de Reforma Agrária América Latina
- Queda de uma Oligarquia
- O Reencontrado Elo Perdido das Reformas Agrárias
[prefaciados, respectivamente, por Josué de Castro, Barbosa Lima Sobrinho e Osny Duarte Pereira]
- Elementos de Teoria da Organização [com mais de 200 edições na Europa, África, América e Ásia]
- Teoria da Organização Autogestionária
- A Marcha dos Camponeses Rumo à Cidade
- Contos Verossímeis [volumes 1 e 2] e
- História das Ligas Camponesas do Brasil.
O seu primeiro livro publicado, O Amor e a Sociedade, reuniu em cem páginas toda a sua produção de poemas líricos, de protesto e de atuação social. O êxito que teve essa estreia, em 1950, quando contava com apenas 22 anos, lhe valeu o convite para ocupar a cadeira cujo patrono era Frei Francisco de Monte Alverne, na Academia de Letras da Cidade de São Paulo, criada nos anos 1930 para albergar os intelectuais de menor expressão não ingressados na titular Academia Paulista de Letras.
Em 15 de dezembro de 2008, Clodomir recebeu, indicado pela então professora e atualmente museóloga Angélica Rodrigues de Oliveira, o Prêmio Direitos Humanos Categoria Enfrentamento à Pobreza, concedido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Presidência da República, no Centro de Convenções, Brasília. Angélica é dirigente da Biblioteca Eugênio Lyra/Ponto de Cultura, sediada no bairro do Malvão, em Santa Maria.
Nosso mestre maior viajou para mais além do sol no começo da tarde de 25 de março de 2016 no seu berço natal, realizando o último desejo que ele acalentava há décadas, nas nossas conversas de vez em quando ele me confidenciava acerca.
O certo é que o legado de Clodomir Santos de Morais está e estará na memória dos povos latino-americanos-caribenhos de maneira indelével.
Biblioteca Campesina, Santa Maria, 25 março 2024.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.