Quando a Presidenta Dilma Rousseff sofreu o golpe em 2016, a primeira grande medida do governo de Michel Temer foi propor uma alteração em nossa Constituição (EC 95) para proibir o aumento de investimentos públicos nas áreas de saúde e educação pelos próximos 20 anos. Essa medida, que ainda hoje está valendo em pleno período do combate à pandemia do Coronavírus, começa a mostrar seus efeitos cruéis na situação catastrófica que temos em nossos sistemas de saúde pelo Brasil afora: hospitais superlotados sem dar conta de atender os brasileiros, especialmente os mais pobres, é a face mais trágica dessa medida.
A oferta de leitos em UTI nos hospitais brasileiros já está esgotada em muitas cidades brasileiras, mas o pior é que ela não é democrática. Os ricos e a classe média mais alta no Brasil não têm enfrentado tantas dificuldades para conseguir um leito se precisarem. Os que ficam nas filas e morrem nos corredores de hospitais são os pobres, que são a maior parte e formam a grande maioria em nosso país. E dentre eles, os que mais morrem são as mulheres e os negros, deixando claro que nossa desigualdade histórica não é capaz, nem em tempos de pandemia, de gerar qualquer solidariedade.
Na educação brasileira, essa desigualdade também se manifesta nos dias de hoje na oferta de Educação a Distância (EaD) aos estudantes, principalmente no momento em que temos as escolas e universidades fechadas. Somente as escolas mais caras do país, e que atendem a educação dos ricos e da alta classe média no Brasil, conseguem continuar suas aulas, enquanto mais de 80% dos estudantes do país que estão nas redes públicas de ensino, ficam à míngua. E em uma crise dessa magnitude por qual passa todos os países do mundo, existem aqueles que só pensam em ganhar dinheiro: o governo Bolsonaro incentiva claramente a EaD porque essa modalidade de ensino atende a grupos empresariais que vendem plataformas digitais para nossas escolas públicas. E esse é o principal mecanismo para tirar o dinheiro que antes era destinado para o orçamento público da educação dos governos, passando agora a dar de graça a esses empresários que, certamente, devem estar felizes com nossa atual crise.
Todos nos perguntamos hoje qual é o motivo de o governo não ter ainda revogado a EC 95 para poder, assim, ter recursos públicos disponíveis para enfrentar o momento que estamos passando. O que está por trás dessa decisão do Governo Bolsonaro e de sua equipe econômica? Não é razoável manter essa política enquanto o mundo todo decide por ampliar os investimentos públicos nesse momento. Até a Organização das Nações Unidas (ONU) já recomendou que o Brasil pusesse fim imediatamente a essa política de restrição fiscal para poder aumentar os recursos no combate à pobreza e à desigualdade. Por que, então, o governo brasileiro não o faz?
Fica cada vez mais claro que o governo Bolsonaro é um governo formado por ricos e que governa o país somente pensando nessa parcela mínima da população. Bolsonaro e toda a sua equipe de governo não pensam nunca na grande maioria de pobres do país e aposta, sem pudor, na morte dessa parcela de nossa gente. Não é por acaso que não vimos em nenhum momento até aqui sequer um comunicado de condolência às famílias das mais de 7 mil vidas perdidas pelo Coronavírus.
É urgente a revogação da EC 95, que já tirou milhões de reais de nossa saúde e educação! Não podemos esperar mais mortes para decidir isso! Por isso que a revogação imediata da EC 95 é uma bandeira dos vários movimentos sociais e do movimento sindical no país que, em torno da Campanha “Direitos Valem Mais”, lutam pela derrubada da EC95. Essa Campanha alerta para que o Brasil não corte os gastos sociais e se coloque na defesa de uma economia a favor da vida e contra todas as desigualdades em nosso país. Por isso que, de forma acertada, entidades em defesa dos direitos humanos já entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma petição para se revogar imediatamente a EC 95, já que os efeitos dessa atual crise gerada pela pandemia ultrapassarão o ano de 2020 e precisaremos, mais do que nunca, de recursos para superar suas consequências no futuro.
Haroldo P. Fernandes Filho é mestre em Sociologia pela UnB e assessor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE.