PT, PSOL e PCdoB pregam voto no candidato do PDT contra bolsonarista
A esquerda fortalezense não irá a Paris. A frase, que vem sendo repetida por militantes e eleitores de partidos de esquerda, ironiza a postura de Ciro Gomes que, então candidato a presidente pelo PDT, em 2018, não declarou apoio a Fernando Haddad (PT) contra Jair Bolsonaro (ex-PSL) e viajou para a cidade luz após ter ficado de fora do turno decisório naquele pleito. Nesse segundo turno das eleições municipais na Capital cearense, PT, PSOL e PCdoB já endossaram o candidato dos Ferreira Gomes, José Sarto (PDT), na tentativa de derrotar o bolsonarista Capitão Wagner (PROS).
Ironias à parte, o resultado do primeiro turno em Fortaleza não guarda surpresas. Deputado estadual e atual presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Sarto cravou 457.622 votos (35,72% dos votos válidos), ao passo em que Wagner somou 426.803 votos (33,32%). As pesquisas eleitorais da última semana já mostravam o candidato do prefeito Roberto Cláudio ultrapassando o deputado federal do PROS e ex-policial militar e também a candidata do PT, Luizianne Lins, que obteve 227.470 votos (17,76%).
Na avaliação da professora de Filosofia da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sandra Helena de Souza, o alto índice de aprovação do atual prefeito da cidade e do próprio governador do Estado, Camilo Santana, ajudaram a levar o candidato do PDT a garantir vaga no segundo turno. Segundo ela, a seriedade, a transparência e a coesão dos governos estadual e municipal na questão sanitária da Covid-19 foram diferenciais percebidos pela população na hora de avaliar os padrinhos políticos de cada lado.
A professora, que também é membro do Movimento Democracia Participativa-CE, chama atenção ainda para o fenômeno da politização da Polícia Militar. No Ceará, após o motim dos PMs, em 2011, ex-integrantes da corporação acabaram se lançando na política partidária. É o caso do Capitão Wagner, do ex-deputado federal Cabo Sabino (que foi candidato a vereador, mas não se elegeu) e de Soldado Noélio (PROS), eleito vereador em 2016 e hoje deputado estadual.
“Esse fenômeno das PMs, que não começou esse ano, mas vem se arrastando há algum tempo, tem um componente extremamente bolsonarista e que aqui (no Estado) é um reduto”, avalia Souza. Para ela, no recente motim que ocorreu no Ceará em fevereiro deste ano, a atuação firme do governador Camilo Santana, juntamente com o episódio do senador Cid Gomes (PDT) em Sobral – que levou um tiro após tentar adentrar, dirigindo uma retroescavadeira, num quartel onde os PMs estavam rebelados – de certo modo selou os destinos da oligarquia Ferreira Gomes e do Capitão Wagner como protagonistas desse pleito.
Sandra Helena de Souza reforça que o resultado do primeiro turno reflete as questões internas do PT, há tempos dividido entre Camilo Santana e seu alinhamento com os Ferreira Gomes e a ala Luizianne Lins. “Surpreendente seria se o PT Luizianne tivesse conseguido superar o candidato Sarto”, frisa. Reforça, ainda, que a legenda precisa enfrentar essa divisão e se reformatar. “O presidente Lula entrou na campanha e não teve peso. Isso precisa ser considerado pelo partido”, pontua.
Com os nomes definidos, as legendas de esquerda logo se manifestaram em apoio a José Sarto. Entre a militância petista, indignada com os ataques machistas e misóginos desferidos contra Luizianne no primeiro turno, a adesão não é acrítica e veio cheia de “memes” – o que mais circula nas redes sociais refere-se ao voto na cachorrinha Marrion, que apareceu nos braços de Sarto quando ele gravou um vídeo para a campanha enquanto convalescia de Covid-19.
Para a cientista política Carla Michele Quaresma, essa aliança dos partidos localizados ao centro e à esquerda no espectro político mostra que as agremiações já estão pensando nas eleições presidenciais daqui a dois anos. “É algo que começou a ser esboçado em um projeto que deve ser apesentado como alternativa ao que estamos chamando de bolsonarismo”, explica. Deixar Capitão Wagner ganhar em Fortaleza é como sedimentar uma base para o ocupante do Palácio do Planalto numa das capitais do Nordeste – região onde seu governo tem menor aprovação.
“As esquerdas estão percebendo, muito provavelmente, que precisam realmente construir um projeto que, minimamente, contemple interesses que são diversos para lançar uma candidatura com maior robustez em 2022, tanto em relação a campanha presidencial como também nos estados, para tentar frear esse crescimento de perspectivas mais à direita no espectro político”, avalia Quaresma.
O candidato a prefeito pelo PROS ao Paço Municipal tem o respaldo da corporação policial que, por sua vez, é bolsonarista. No entanto, Wagner é anterior ao fenômeno político do presidente de extrema-direita. O capitão cearense ganhou notoriedade em 2011, ao liderar a PM num movimento de reivindicação ocorrido na virada daquele ano e que espalhou o caos pelas ruas de Fortaleza e das cidades do interior. Em 2012, elegeu-se vereador na Capital, pelo PR. Foi deputado estadual em 2014 e federal, em 2018.
Tanto para Sandra Helena quanto para Carla Michele, a Câmara Municipal de Fortaleza vai ser a arena política das siglas que disputam de olho no próximo pleito. Dos 43 vereadores eleitos, 23 são novatos. Além de 53% de renovação, a Casa terá forte disputa nos espectros ideológicos. Os partidos da coligação de José Sarto (PDT, Cidadania, PSB, PP, PL, PSD, DEM, PSDB e Rede) fizeram a maior bancada, com 25 vagas no legislativo municipal – 10 só do PDT. A coligação de Wagner conseguiu 12 cadeiras na CMFor. Na sequência, o PT elegeu três vereadores, e o PSOL elegeu dois.
Para a cientista social, a Câmara se tornou mais plural, embora não seja o que se espera de representatividade de toda a pluralidade social. Ela lembra que a Casa continua sendo formada majoritariamente pelo partido governista (PDT), apesar de ter perdido uma vaga, mas com representantes que receberam votações expressivas. “E isso demonstra o peso desse grupo capitaneado pelos irmãos Ferreira Gomes não só em Fortaleza, mas em todo o Estado”, frisa.
Já Sandra Helena destaca que o PCdoB perdeu a única vaga que tinha na Câmara, mas a formação legislativa para 2021 terá o primeiro mandato coletivo, o Nossa Cara, de três mulheres negras e periféricas eleitas pelo PSOL. “A gente tem, então, a volta do PSOL num novo registro, das identidades periféricas das meninas e nessa apoteose que foi o Gabriel Aguiar”. O PSOL somou 50 mil votos para vereador e o fenômeno foi o jovem ambientalista que obteve mais de nove mil votos.
Por outro lado, a professora de Filosofia destaca a chegada de um bolsonarismo mais ostensivo, com o jovem Carmelo Neto, de apenas 19 anos, que se diz “conservador desde os 13 anos e soldado de Bolsonaro” e do Inspetor Alberto. “A meu ver, a gente tem uma fragmentação partidária na Câmara, que não é uma novidade, mas que mantém aquele tônus que vai dizer que o prefeito, sendo Wagner ou Sarto, terá que fazer as coalizões”, reforça.