Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto critica a política de relações internacionais do governo Bolsonaro e afirma que, ao desrespeitar a China, diplomacia brasileira infringe o artigo 4º da Constituição
No início da noite de quarta-feira (20), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escreveu em seu Twitter que estava tudo bem na relação Brasil, China, Índia. Mas não informou o prazo de chegada dos insumos necessários para a fabricação das vacinas. “Em relação ao prazo para entrega das vacinas que estamos importando da Índia, eu não posso mencionar agora um prazo, mas queria reiterar que está bem encaminhado”, disse o deputado.
É a primeira vez, nos últimos 60 anos, que o Brasil não consegue iniciar e levar adiante uma campanha de vacinação. A esperança de se salvar da ameaça de morte da pandemia da Covid-19 durou pouco mais de algumas horas para os brasileiros. Quem pensou que a vacinação ia deslanchar, como acostumou a ver em anos passados e em outros governos, perdeu a esperança. Isso porque horas depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no domingo (17), a CoronaVac e a AstraZeneca como as vacinas para uso emergencial de combate à pandemia, os planos de imunização foram interrompidos e prorrogados.
O motivo é a pouca quantidade da vacina e a impossibilidade de o País continuar a fabricação dos imunizantes por causa da falta do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). O Brasil, que perdeu sua soberania na produção desse tipo de fármacos por causa da política de privatização do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando, em 1997, extinguiu a Central de Medicamentos (Ceme), tem mais de 200 milhões de habitantes e, no domingo (17), quando começou a distribuição da CoronaVac, única vacina que havia em solo nacional, havia apenas seis milhões de doses autorizadas.
A Fiocruz informou que a falta de previsão de chegada do IFA chinês atrasou a entrega dos primeiros lotes da vacina Oxford/AstraZeneca produzidas no Brasil, previstos para começar entre 8 e 12 de fevereiro. Sem previsão da chegada de 2 milhões de vacinas vindas da Índia, e sem os insumos da China, a produção do imunizante ficou comprometida no Instituto Butantan (CoronaVac) e na Fiocruz (AstraZeneca). Agora, a AstraZeneca está prevista para março. Mas isso só acontecerá se os Bolsonaros não interferirem, mais uma vez, nas relações internacionais do Brasil.
“Esse é o resultado da má gestão do Orçamento público e da pandemia. É a conta da crise internacional criada pela família Bolsonaro com países como a Índia e a China para bajular o ex-presidente dos EUA, Donald Trump”, afirma Maria Cláudia Pereira, professora de história aposentada da rede pública de ensino, que, na manhã desta quarta-feira (20), não aguentou de ansiedade e foi ao Posto de Saúde, no Guará, para tentar se informar sobre o calendário e a metodologia de vacinação. Ela reclama da desorganização e da falta de informações.
“Está tudo confuso. Não temos uma campanha de vacinação. Fui ao posto porque sou idosa, do grupo de risco e não vejo em lugar nenhum a explicação sobre a campanha. Quando cheguei lá, fiquei sabendo que a vacina havia acabado e que não deu nem para o pessoal do atendimento médico”, criticou.
O ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Brasil, por sua vez, embaixador Samuel Pinheiro de Guimarães Neto, vai mais fundo. Ao analisar a situação para o Jornal Brasil Popular, ele diz que a atual diplomacia brasileira é uma vergonha e que a única solução para retirar as relações internacionais do Brasil da crise, do vexame e da frustração é a remoção, urgente, de Jair Bolsonaro da Presidência da República.
O embaixador afirma que a política externa brasileira deve se reger pelo artigo 4º da Constituição Federal, que tem como dois dos seus principais artigos a autodeterminação e a não intervenção. “Eu acrescentaria outros princípios. O primeiro princípio, que é a relação entre os Estados que são soberanos é o respeito mútuo e a não intervenção desrespeitosa sobre o outro país. A atual diplomacia brasileira tem desrespeitado a China seguidamente”, disse.
Ele informou que o jornal O Globo, de 3 dias atrás, fez uma lista de declarações do presidente Bolsonaro e de seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e que há várias insinuações sobre a China ser culpada pela pandemia do novo coronavírus, reiterando todos os argumentos dos EUA, e assim por diante. “Inclusive, tendo em vista a disputa comercial e até mais do que isso, é preciso lembrar que o deputado Eduardo Bolsonaro, nos EUA, envergou um boné, um suvenir, escrito Trump 2020”, disse.
O ex-ministro lembro de outras situações que foram se reiterando, como troca de notas com o embaixador da China aqui no Brasil, ofensas e outras coisas desnecessárias. “Ora, o primeiro princípio da nossa diplomacia é não ofender os outros Estados soberanos. Daí que o principal objetivo do Brasil, da sociedade brasileira, é a remoção do presidente Bolsonaro da Presidência da República porque somente, então, poderemos ter uma política externa digna, de respeito aos outros países e de ser respeitado por outros países”, criticou.
Guimarães Neto explicou que não se refere a impeachment, e sim à remoção de Bolsonaro. “Uma das formas de remoção de Jair Bolsonaro da Presidência é o impeachment. Mas há outras. Há processos criminais, por exemplo. Ele é, como disse o governador João Dória, um facínora que já contribuiu para a morte de mais de 210 mil mortes de brasileiros por Covid-19 em menos de 1 ano com o seu comportamento. Isso não é suficiente como falta de decoro? O problema é que, talvez, não haja ainda maioria na Câmara para aprovar um pedido de impeachment”.
O diplomata avalia que a eleição para a presidência da Câmara, prevista para ocorrer no dia 2/2, será decisiva para a definição do destino diplomático do Brasil. Preocupado, ele afirma que “se Arthur Lira vencer, Bolsonaro terá controlada a Câmara dos Deputados, que é de extrema importância, inclusive para autorizar o pedido de impeachment. Mas, daqui até lá, o número de mortos vai se acumular de uma forma gigantesca, assim como o número de desempregados, o caos social, o desmatamento, enfim, tudo, inclusive a dificuldade de relações com os EUA”.