Neste 22 de janeiro em que lembramos os 99 anos de nascimento de Brizola e sua memória, seu exemplo e sua presença cada vez mais viva entram no ano e na contagem regressiva de seu centenário. Este coincidirá com o segundo centenário da proclamação de nossa Independência e com uma eleição presidencial que nos fará lembrar da amarga experiência – e lição! – de 2018…
Não é difícil supor como Brizola estaria vivendo estes dias macabros em que o Brasil começa a vacinação contra a Covid-19 em meio ao caos promovido pela parceria das implicâncias infantis do Bolsonaro pai e seus filhos com a incompetência galopante do ministro Pazuello. Enquanto o Brasil vacinava 400 mil pessoas (0,2% de uma população de 210 milhões), os Estados Unidos, apesar do despejo do Trump ter ocorrido apenas dois dias antes, já tinham vacinado 17 milhões (mais de 5% de uma população de 300 milhões).
Para criar uma pós-verdade que não passa de uma grossa fake news para protegê-lo no cargo, Pazuello passou a dizer que o Brasil não pode contentar-se com vacinas montadas em seu Butantan e em sua Fiocruz a partir de insumos importados, e tem de desenvolver sua própria vacina. Isso ele diz um ano depois dos primeiros casos de Covid no mundo e perto do primeiro aniversário da façanha que o tirou do quartel para o ministério, o resgate dos brasileiros que estavam em Wuhan, na China, e que no começo o Bolsonaro não queria mandar buscar porque custaria muito caro…
Em contaste com essa irresponsabilidade e insensibilidade, Brizola teria constatado desde o começo que o Brasil devia partir logo para sua própria vacina. Já que o Butantan podia ser parceiro de uma vacina chinesa e a Fiocruz da vacina de Oxford, por que o Brasil não poderia avançar o passo seguinte e libertar-se da dependência de importações que seriam cada vez mais complicadas e mais caras?
Mas Brizola não teria ficado nesse desafio de curto prazo. Ele teria ido imediatamente mais longe, à maior tragédia da pandemia no Brasil, às condições de vida, na verdade de sub-vida, de sub-habitação, de sub-alimentação, de sub-socorro médico nas favelas brasileiras. Nas de São Paulo, por exemplo, uma pesquisa mostrou que o risco de contágio era 60% maior que nas outras regiões da cidade.
Brizola teria feito do desafio da pandemia a oportunidade para iniciar a luta por uma reforma urbana hoje urgente, mas que seja o oposto dos antigos programas de desfavelização que transferiam os moradores para conjuntos habitacionais longínquos, distantes dos mercados de trabalho, um verdadeiro apartheid geográfico. A reforma urbana de Brizola teria de promover a construção, bem perto ou no mesmo lugar, de superquadras de edifícios de apartamentos de vários tamanhos, conforme o número de pessoas de cada família. Esses edifícios poderiam ser rapidamente construídos com as técnicas de pré-moldados desenvolvidas para a construção de mais de quinhentos Cieps no Rio nos governo de Brizola.
Do ponto de vista da recuperação econômica do país, depois da recessão profunda da pandemia, a construção civil é a atividade econômica em grande escala que gera mais empregos e assim a reforma urbana de Brizola atacaria simultaneamente a recessão, o desemprego e o perigo das favelas para a saúde pública: nossos ricos mais reacionários sabem hoje, porque a TV mostrou isso, que só se pode protegê-los do contágio se os pobres forem também protegidos.
Uma reforma urbana como Brizola a conceberia – mas que pode ser adotada e realizada por outro governante ou administrador – pode ser a melhor e mais imediata resposta não só aos desafios da pandemia, como à estagnação da economia brasileira resultante de sua entrega às forças cegas e estúpidas de um “mercado” ainda cego e surdo ao que acontece no mundo, especialmente depois da derrota de Trump nos Estados Unidos.
Para Brizola, ela seria mais do que isso, seria o começo da adoção do princípio básico de seu projeto de socialismo moreno: ao lado da propriedade coletiva de instituições e ativos como a Petrobrás, como os Cieps, como o SUS tão fundamental no combate à Covid, a propriedade privada socialmente justa, não para uns poucos privilegiados, mas, afinal, a propriedade para todos. Para todos, sim!
Ou alguém é contra?
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitíba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.