Para quem se dedicou a estudar a Ciência da História, em sua concepção marxista, é por demais evidente que o desenvolvimento das sociedades em geral decorre das contradições que se dão entre as classes que as conformam: as chamadas lutas de classes.
Em nossas sociedades capitalistas, muito embora existam outras classes, as que são determinantes na dinâmica da sociedade são a classe capitalista, proprietária do capital e a classe trabalhadora detentora da capacidade de trabalho.
A atividade política, na qual se envolve o Estado, acontece em torno dos interesses dessas duas grandes classes. A classe capitalista lutando para valorizar seu capital e acumular riqueza mediante a exploração da classe trabalhadora, o que impulsiona o desenvolvimento tecnológico e a produtividade do trabalho. A classe trabalhadora, de cujo trabalho se origina a riqueza, lutando a duras penas para atenuar a exploração a que é submetida por não controlar os meios de produção.
No Brasil dos anos recentes, a classe capitalista e seus representantes nos meios de comunicação criaram, fraudulentamente no imaginário popular uma nova força que supostamente moveria a sociedade, o combate à corrupção, mediante ação “imparcial” da burocracia pública.
Foi assim, que ao arrepio da lei, organizou-se em Curitiba um verdadeiro “esquadrão da justiça”, a Operação Lava Jato, sob o comando do Juiz Sergio Moro, a participação da Procuradoria da República e a Polícia Federal, com a missão de combater a corrupção nas empresas públicas e no meio político.
Não tardou a ficar evidenciado que a referida operação tinha objetivos políticos muito claros e que, sob o pretexto do combate à corrupção, enveredou muito cedo para missões que iam muito além de sua finalidade original e passou a perseguir partidos e lideranças políticas que se afinavam com os interesses da classe trabalhadora e a proteger os representantes da classe capitalista.
Quando for feito um balanço imparcial dos resultados da Operação Lava Jato, o que já começa a ser feito pela cúpula do Poder Judiciário, poderá ficar evidenciado que ela causou mais males, do que produziu benefícios para o desenvolvimento da sociedade.
Os milhões de reais recuperados nas investidas contra empresas corruptas representam muito pouco em relação ao que o país vem perdendo em atividade econômica e no uso de suas riquezas naturais em favor do povo.
Apenas para mencionar dois grandes prejuízos, cabe citar a destruição das grandes empresas de construção pesada do país e de sua avançada base tecnológica. Em segundo lugar, embora não menos importante, situa-se sua influência nefasta no processo político que acabou levando ao golpe de estado que afastou Dilma Rousseff da Presidência, à prisão do ex-presidente Lula, e à entronização no poder de Michel Temer e, subsequentemente, a eleição de Jair Bolsonaro.
Esses dois governos vêm executando uma política econômica centrada na anulação de direitos sociais da classe trabalhadora, na manutenção de privilégios de segmentos da burocracia estatal e de austeridade fiscal orientada para o objetivo, fora de época, de um “Estado Mínimo”. Enquanto isso, o governo assiste impassivelmente, o avanço do processo de desindustrialização do país, agora já de difícil reversão.
É indispensável que a classe trabalhadora e suas lideranças percebam claramente que estamos em plena luta de classes e não há por que arrefecer a disputa nem fugir da polarização, pois só na luta é que a classe trabalhadora pode se defender da exploração capitalista.
A luta ideológica dos trabalhadores precisa desmoralizar a política de combate à corrupção como meio para promover a justiça social. A corrupção é apenas mais um dos instrumentos de que se vale a classe capitalista para explorar a classe trabalhadora, mas seu combate não é de maneira alguma a panaceia que vai impedir a pauperização dos trabalhadores.
A burocracia estatal que combate à corrupção é parte inerente do sistema capitalista, que facilmente se deixa corromper pela classe dominante em favor de políticas governamentais voltadas para aumentar as desigualdades sociais e em favor a acumulação de riqueza pela classe capitalista.
A luta da classe trabalhadora não é a do combate à corrupção, mas a da defesa de seus interesses, contra a retirada de direitos sociais, contra as políticas que reduzem os salários e contra a destruição dos sindicatos, dos partidos políticos e dos movimentos sociais dos trabalhadores.
O corrupto é apenas mais um capitalista que se utiliza da corrução para valorizar seu capital. O bom combate da classe trabalhadora deve ser contra o sistema capitalista, que se baseia na exploração cotidiana de sua capacidade de trabalho. O trabalhador precisa lutar contra, finalmente, o aumento desenfreado da riqueza da classe capitalista, a precarização do trabalho e, não menos importante, a destruição da natureza diante da avidez do lucro capitalista.
(*) Flávio Tavares de Lyra é economista da Escola da UNICAMP.