A anulação das condenações de Lula pelo Ministro Edson Fachin colocou Bolsonaro diante de um dilema cujas alternativas são uma pior que a outra. Mas também diante de uma hipótese de vingança contra a qual o país nada terá a reclamar.
Bolsonaro contava com a possibilidade de decretação da suspeição de Sérgio Moro pela 2ª. Turma do Supremo: isso seria um golpe mortal na candidatura de Moro contra ele em 2022 e não seria senão uma vitória parcial de Lula, livre da condenação pelo tríplex de Guarujá, mas ainda inelegível pela condenação no caso de Atibaia, confirmada em segunda instância pelo tribunal de Porto Alegre. Já a recusa da suspeição reanimaria a candidatura de Moro, e por isso a meia vitória de Lula seria preferível para Bolsonaro.
Mas o inesperado aconteceu com a irrupção em cena da liminar do Ministro Fachin, que de uma canetada só anulava os processos de Guarujá e de Atibaia e devolveu a Lula a candidatura até então vedada pela Lei da Ficha Limpa.
A liminar depende de confirmação ou pela 2ª. Turma ou pelo plenário do Supremo e Bolsonaro não pode torcer – e/ou se intrometer – nem pela confirmação, nem pela rejeição. Se a liminar for rejeitada, eis Sérgio Moro como o espectro que vai assombrar as noite e os dias de Bolsonaro. Se for confirmada, Lula logo na primeira pesquisa passa a derrotar Bolsonaro no primeiro e no segundo turno da eleição.
Com a rearrumação eleitoral desencadeada pela ressurreição da candidatura Lula, surgiu até a hipótese, embora remota, de Bolsonaro fora do segundo turno, suscitada por Reinaldo Azevedo, insuspeito de esquerdismo ou simpatias petistas. Será isso possível, Bolsonaro fora do segundo turno, atropelado ou por Lula e Moro ou por Lula e um candidato de centro ou centro direita no primeiro?
Contra si próprio, Bolsonaro não tem apenas o espectro duplo dessa hipótese: tem seu péssimo desempenho na condução da luta contra a Covid e de modo geral o desgaste quase sempre inevitável que figuras míticas como ele sofrem ao passar de estilingue a vidraça. O núcleo duro do bolsonarismo é bem mais resistente do que se poderia supor, mas nada prova que seja eterno.
O comportamento público de Bolsonaro logo depois do discurso e da entrevista de Lula já deu prova de mudança radical com o uso de máscara por ele pela primeira vez desde 3 de fevereiro e, para esconjurar o terraplanismo de seguidores seus, com o globo terrestre exibido à sua frente na live subsequente.
Se já está com medo de ficar fora do segundo turno, Bolsonaro pode ir pensando numa saída honrosa em que o espírito atormentado de seus fiéis pode encontrar também uma vingança: basta propor ao Congresso e induzir sua base na Câmara e no Senado a aprovar uma emenda constitucional acabando com a reeleição.
Aprovada essa emenda, Bolsonaro não correrá o risco de ficar fora do segundo turno, pois já não terá podido disputar o primeiro. Bolsonaro deixará o governo como um Presidente invicto, um Presidente que jamais, desde seus primeiros mandatos, de vereador e deputado, teve de provar o pó da derrota, um Presidente mais invencível que o próprio Trump, defenestrado na tentativa de reeleição.
Bolsonaro não terá um segundo mandato, mas também não o terá seu sucessor, seja ele quem for, e não o terão os futuros Presidentes. Essa mais doce das vitórias, negada a ele injustamente, será da mesma forma subtraída a quem quer que queira ser mais que ele.
E o país e a história agradecerão.
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.