Os senadores de oposição ao governo Bolsonaro que integram a CPI da Pandemia, no Senado, avaliam que as investigações estão muito produtivas. No entendimento deles, diante dos depoimentos de quem já depôs até o momento, já se pode falar “omissão”, “negligência” e “incompetência” do governo federal, no enfrentamento à pandemia do Coronavírus (Covid-19), que já vitimou mais de 430 mil pessoas
Até agora, já depuseram: os ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; do atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga; do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres; do ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fábio Wajngarten, e do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo Medina.
Para o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), as duas semanas de trabalho, foram muito produtivas, especialmente, esta. “Esta semana de trabalhos foi muitíssimo produtiva, sobretudo, em relação a duas percepções: a existência de um comando paralelo e, no meu sentir, a omissão do governo – dita e reiterada –, em relação à aquisição de vacinas. Omissão que custou vidas”, afirmou, nessa quinta-feira (13), apontando para algumas constatações.
“A primeira é de que o enfrentamento da pandemia da Covid-19 tinha um comando paralelo diferente ao do comando do Ministério da Saúde. Durante as gestões dos ex-ministros Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, procurou-se um enfrentamento baseado na ciência e nas medidas que deveriam ser adotadas indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Paralelamente a isso, existia um comando no Palácio do Planalto, o qual compreendia como estratégia a infecção de todos, a cloroquina como solução e a imunidade de rebanho”.
Em entrevista para o Jornal Brasil Popular, o senador Humberto Costa (PT-PE) avaliou que a CPI vem cumprindo, com eficiência, o papel a que se destina de levantar o que aconteceu ao longo da pandemia até agora. Para Costa, o que há de mais marcante é uma condução equivocada, errática, do governo federal no combate à Covid-19.
“Fica evidente, nos depoimentos e nas informações que temos até agora, que o Presidente da República decidiu que a melhor maneira de enfrentar a Covid-19 era permitir que a maioria da população brasileira se contaminasse e, com isso, fosse criada uma espécie de imunidade natural, supondo, de forma nada científica, que isso faria com que o vírus deixasse de circular. Só que, ao lado disso, a doença, que é extremamente grave, já provocou centenas de milhares de mortes e milhões de pessoas infectadas, incluindo aí, muitas delas com bastantes sequelas”.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) também resumiu a questão a “uma situação de negligência ou de ação deliberada para não resolver o problema da pandemia e isso encaminha para a constatação de um crime contra a saúde pública e contra a vida”.
Linha do tempo
Na audiência, gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, apresentou uma linha do tempo – de 14 de agosto a dezembro de 2020 – e confirmou, em seu depoimento aos senadores da CPI da Pandemia, que o governo de Jair Bolsonaro rejeitou três ofertas de 70 milhões de doses da vacina Pfizer/BioNTech, cujas primeiras doses poderiam ter sido entregues em dezembro de 2020.
As ofertas da vacina e várias opções de total de doses feitas ao governo brasileiro só foram aceitas em março de 2021. Diante dessas revelações, o vice-presidente da CPI perguntou ao depoente quais países, na mesma condição do Brasil, iniciaram a vacinação em dezembro de 2020, e ele foi taxativo: “Inglaterra, e, na América Latina, Chile, México e Costa Rica”.
O senador ressaltou: “Três países da América Latina – Chile, Costa Rica e México – iniciaram a vacinação em dezembro de 2020. Poderia ter sido Chile, Costa Rica, México e Brasil”. E, em seguida, lamentou a quantidade de vidas que teriam sido salvas no País se a vacinação tivesse sido iniciada em dezembro de 2020.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) apontou como ponto principal nos depoimentos a cronologia da oferta da vacina pela Pfizer ao governo brasileiro, que, na sua avaliação, leva à constatação de que houve negligência do governo na demora em comprar o produto. Para ele, por alguma razão, ainda não identificada, o governo Bolsonaro foi mais estranho com a Pfizer do que com as demais farmacêuticas.
“Por que o governo brasileiro esperou justamente em relação a esta vacina da Pfizer? Criou dificuldades, esperou demais e ainda alega que ela (a farmacêutica) é que foi negligente, em oferecer vacina sem aprovação? Isso não existe, né?”.
Jean Paul disse que é normal as negociações ocorrerem antes do parecer técnico – no caso, o parecer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) –, andem em paralelo. “Você não espera a Anvisa aprovar para começar a negociar a vacina e nenhum outro fabricante fez isso”, disse. Ela considera que no mínimo a negligência e a incompetência já estão na mira da CPI.
Cláusulas ‘leoninas’
Sobre as afirmações do ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, de que a Pfizer teria apresentado cláusulas contratuais leoninas, o gerente da farmacêutica explicou que as condições são, exatamente, as mesmas oferecidas a todos os países do mundo e que foram aceitas por mais de 110 deles.
“Quando se tem um fornecedor internacional do nível da Pfizer, que traz um contrato e se alega cláusulas ‘leoninas’, em vez de propor cláusulas alternativas, há, no mínimo, negligência ou incompetência”, sentenciou Jean, sendo mais contundente, sobre a arbitragem internacional: “Quer dizer que para vender refinarias da Petrobras, a arbitragem internacional serve, mas para comprar vacina, que a gente precisa, a gente vai colocar dificuldade”, ironizou.