Tem sido publicado por grande parte da mídia nacional e até por sítios da internet defensores do papel estratégico da Petrobrás e contrários à desconstrução da estatal que os elevados preços praticados pela Petrobrás, que repercutem nos preços pagos pelos consumidores brasileiros, foram responsáveis pelo elevado aumento do lucro contábil da empresa no 2º trimestre de 2021 em relação ao 1º trimestre de 2021. O Sr. Ciro Gomes, candidato à Presidência da República, também tem feito afirmações nesse sentido.
Este artigo tem por objetivo demonstrar, com números, que os “elevados preços” não são a principal causa do aumento do lucro da Petrobrás e esclarecer sobre a verdadeira razão pelo “extraordinário” aumento do lucro contábil da estatal.
No 1º trimestre de 2021, o lucro contábil da Petrobrás foi de R$ 1,276 bilhão; no 2º trimestre de 2021, foi de R$ 43,041 bilhões. A diferença entre esses lucros é de R$ 41,765 bilhões. Dessa forma, o aumento do lucro foi, de fato, de 3273%. A Figura 1 apresenta a Demonstração do Resultado Consolidado da Petrobrás nesses períodos.
Figura 1: Demonstração do Resultado Consolidado da Petrobrás
Conforme mostrado na Figura 1, no 1º trimestre de 2021, o resultado financeiro líquido da Petrobrás foi um prejuízo de R$ 30,748 bilhões; no 2º trimestre de 2021, o resultado financeiro foi um lucro de R$ 10,776 bilhões. Essa diferença de R$ 41,524 bilhões é muito próxima de R$ 41,765 bilhões, que é a diferença entre os lucros contábeis do 1º e 2º trimestres de 2021.
Com a própria Petrobrás reconhece, esse resultado financeiro do 2º trimestre de 2021 reflete os ganhos cambiais, sem efeito caixa, relacionados à valorização do real de 12,2% em relação ao dólar e a atualização monetária referente ao ganho complementar da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS. A Figura 2 mostra os valores dos “câmbios” de fim de período.
Figura 2: “Câmbios” no final do 1º e 2º trimestres de 2021
As variações monetárias e cambiais, líquidas, no 1º trimestre e no 2º trimestre de 2021 foram, respectivamente, de negativos R$ 24,811 bilhões e positivos R$ 19,538 bilhões, o que representa uma diferença de R$ 44,349 bilhões. Essa diferença foi decisiva para o mencionado aumento de 3273% de aumento no lucro contábil da Petrobrás. Entretanto, se, no final do 3º trimestre de 2021, o câmbio retornar a 5,70 reais por dólar, o lucro da Petrobrás deverá cair significativamente, mesmo que a empresa continue praticando elevados preços para os derivados vendidos no mercado interno.
É importante reconhecer, todavia, que a receita líquida na venda de derivados no mercado interno aumentou, do 1º trimestre para o 2º trimestre de 2021, respectivamente, de R$ 52,031 bilhões para R$ 63,789 bilhões. Esse aumento de R$ 11,758 bilhões é, no entanto, muito inferior ao valor de R$ 41,524 bilhões, que corresponde à mencionada diferença entre os resultados financeiros.
Fica demonstrado, então, que a principal causa do aumento de 3273% do lucro no 2º trimestre de 2021 em relação ao 1º trimestre de 2021 foi a valorização do real e o ganho complementar da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.
Na realidade, os preços elevados da Petrobrás decorrem da política de preço de paridade de importação (PPI), que foi formalmente implementada na Petrobrás a partir de 2016, na gestão do Sr. Pedro Parente.
Essa política tem, na realidade, pequeno efeito na rentabilidade da Petrobrás, pois ao praticar “preços elevados” a estatal perde fatia do mercado interno por viabilizar a importação de derivados por outras empresas, sendo obrigada a reduzir o fator de utilização das refinarias. Nesse contexto, a Petrobrás torna-se grande exportadora de petróleo bruto, deixando de agregar valor na produção de derivados em suas refinarias.
É importante destacar, ainda, que os resultados contábeis trimestrais pouco refletem o verdadeiro desempenho operacional da Petrobrás. Eles apenas demonstram aberrações históricas da legislação tributária nacional, que foram “consolidadas” e parcialmente estendidas a todas as empresas petrolíferas a partir da “MP do Trilhão”.
Essas aberrações históricas são demonstradas pela altíssima volatilidade dos resultados contábeis da Petrobrás apresentados na Figura 3. Essa grande volatilidade evidencia que essa variável não deve ser utilizada para avaliar o real desempenho da estatal.
O desempenho da Petrobrás pode ser melhor analisado a partir dos EBITDAs (1) , que são muito mais estáveis que os resultados contábeis. Além disso, o EBITDA ajustado está fortemente associado à geração de caixa da estatal.
Como a Petrobrás prevê a distribuição de dividendos “sem apuração de lucro contábil, quando se verificar redução de dívida líquida no período de doze meses anteriores, caso a Administração entenda que será preservada a sustentabilidade financeira da companhia”, a variável mais importante para esse fim é o EBITDA ajustado.
Figura 3: Resultados contábeis trimestrais da Petrobrás
Os EBITDAs ajustados da Petrobrás no 1º trimestre e 2º trimestre de 2021 foram de, respectivamente, R$ 48,949 bilhões e R$ 61,938 bilhões, o que totaliza R$ 110,887 bilhões no primeiro semestre de 2021. Mesmo com o baixo lucro contábil da Petrobrás de R$ 1,276 bilhão no 1º trimestre de 2021, a empresa apresentou EBITDA ajustado de R$ 48,949 bilhões nesse trimestre, o que mostra a baixa correlação entre essas variáveis.
Apesar do elevado lucro contábil no 2º trimestre de 2021, foi o alto EBITDA ajustado de R$ 110,887 bilhões no 1º semestre de 2021 que criou as condições de caixa para o pagamento de dividendos. Foi criada, contudo, uma inadequada associação direta entre lucro contábil e pagamento de dividendos.
De acordo com a Petrobrás, “em 30 de junho de 2021, o caixa e equivalentes de caixa eram de R$ 49,1 bilhões e as disponibilidades ajustadas totalizavam R$ 52,1 bilhões”. Nesse contexto, a empresa informou que seu Conselho de Administração aprovou o pagamento de duas antecipações da remuneração aos acionistas relativa ao exercício de 2021, no valor total de R$ 31,6 bilhões.
Como cerca de 41% desse valor total de dividendos deverão ser distribuídos a acionistas estrangeiros e 21% a acionistas privados brasileiros, e apenas 38% à União e entes federais, há pouco a se comemorar com essa distribuição de dividendos. A Figura 4 mostra a atual estrutura do capital social da Petrobrás em julho de 2021 (2) .
Figura 4: Estrutura do capital social da Petrobrás
Em suma, a Petrobrás é uma empresa extremamente rentável não por causa dos elevados preços internos em decorrência do preço de paridade de importação (PPI), mas em razão, principalmente, dos seus baixos custos de produção e de refino de petróleo. Entretanto, essa rentabilidade não é necessariamente refletida no “resultado contábil” em decorrência, principalmente, da legislação tributária do Brasil. Assim sendo, a variação percentual do resultado contábil de um trimestre em relação ao anterior não é uma boa variável para analisar o real desempenho da empresa.
(1) De acordo com o Dicionário Financeiro disponível em https://www.dicionariofinanceiro.com/ebitda/, o EBITDA, que significa Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, é mais preciso para medir a produtividade e a eficiência do negócio do que o seu resultado final.
(2) Disponível em https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/25fdf098-34f5-4608-b7fa-17d60b2de47d/a6b94e17-9bbe-3431-1b3a-f32b64ccd689?origin=2. Acesso em 22 de agosto de 2021.
(*) Por Paulo Cesar Ribeiro Lima