Não é nenhum segredo que todo meio [de comunicação] tem uma linha editorial, isto é, um modo de ver e mostrar as coisas. Visão desde a qual cada meio [ou grupo de meios] dá visibilidade ao que se ajusta a seu particular viés e interesse
Por Javier Tolcachier – Tradução de Joaquim Lisboa Neto
A ideia da neutralidade jornalística, a suposta “objetividade” se desdiz com uma comprovação básica: em qualquer meio de comunicação há uma escolha sobre o que publicar, que preeminência dar a cada notícia, que aspectos se põem em relevância e como se narra a informação.
No caso de empresas privadas este olhar editorial se reduz àquele que fortalece seu modelo de negócios e, por extensão, aos conteúdos que defendem um modelo que favoreça aos interesses do capital. Esta constatação, que constitui uma premissa central para prevenir [contra] a ingenuidade frente à manipulação da informação e para que qualquer pessoa coloque o que vê, lê ou escuta no marco da intencionalidade impressa a toda produção se torna ainda mais importante em tempos de definição política, como os que a Colômbia vive neste segundo turno para eleger sua fórmula presidencial.
A imprensa em Colômbia
Devido à forte concentração na propriedade dos meios [de comunicação] e a diversificação de seus canais, o poder de umas poucas empresas de influir sobre a opinião pública em Colômbia é praticamente coercitivo.
Segundo a informação coletada por Media Ownership Monitor Colombia (MOM), investigação levada a cabo por Repórteres Sem Fronteiras em conjunto com a Federação Colombiana de Jornalistas [FECOLPER, por sua sigla em espanhol], “os oito maiores grupos midiáticos concentram 78% da audiência transversal, o que significa que quase quatro de cinco colombianos recebem suas informações por meio desses grupos. Os três grupos midiáticos que maior concentração de audiência alcançam são a organização Ardila Lülle com 28,7%, o Grupo Santo Domingo com 19,5% e a organização Luis Carlos Sarmiento Ângulo com 7,3%.”
Longe de estar ativos somente na mercantilização da informação e do entretenimento, todas essas holdings têm estendidos tentáculos em muitos diversos campos, o que explica sua íntima conexão com o modelo socioeconômico pró empresarial em Colômbia.
Carlos Ardila Lülle, assinala o citado informe, quem conta com quase 60% da mídia, “é proprietário de mais de cinquenta empresas nos setores agroindustrial, industrial, comunicações e entretenimento, finanças e seguros, imobiliário e automotriz. Entre suas empresas se contam a maior usina de açúcar do país [Incauca S.A.] e uma das empresas produtoras de bebidas não alcoólicas mais importantes da Colômbia [Postobon S.A.]
Por sua parte, o homem mais rico do país, segundo Forbes, Carlos Sarmiento Ângulo, controla 33% do mercado financeiro da Colômbia através do Grupo Aval Ações e Valores S.A. e é proprietário de BAC Credomatic, o grupo financeiro mais importante da América Central, ao qual se agrega ser o principal beneficiário das concessões rodoviárias da Colômbia.
Seu grupo controla 28 meios de comunicação, entre eles El Tiempo, jornal de maior circulação nacional, um diário econômico, dois jornais regionais, sete revistas, dez meios digitais e dois canais de televisão, assinala o informe MOM.
Por último, o Grupo Santo Domingo, através de sua holding Valorem, tem companhias que participam no setor imobiliário, de turismo, transporte, meios [de comunicação] e entretenimento, indústria e comércio varejista. No setor comunicações é proprietário de Caracol Televisión S.A. [empresa dona do Canal Caracol e de BluRadio], do jornal El Espectador e das Revistas Shock e Cromos.
A investigação feita por RSF evidencia ademais a íntima conexão existente entre essas multimídias privadas e a esfera política. Muitos indivíduos que exerceram cargos públicos são membros de juntas diretivas ou acionistas nessas empresas.
Ademais, seus proprietários costumam financiar as campanhas políticas, como por exemplo Sarmiento Ângulo, quem o fez para a campanha do ex-presidente Álvaro Uribe.
Neste contexto, cabe se estranhar de que todas essas mídias exponham de maneira destacada o intento de macular a credibilidade de Gustavo Petro, candidato que tem feito da justiça social seu principal paradigma?
Ao tempo de obscurecer o amplo apoio popular do qual goza, as propostas que empunha e a esperança que representa para um povo asfixiado pela violência física e econômica este sistema compacto de propaganda, dado o fracasso de seu candidato natural “Fico” Gutiérrez, promoveu [e continua fazendo-o] a figura excêntrica e retardatária de Rodolfo Hernández, abastado ex-prefeito de Bucaramanga e processado atualmente num caso de corrupção por intermediar a favor de seu filho com contratos milionários.
A agenda dos meios hegemônicos se centrou nos últimos dias em situar em primeira plano supostos escândalos do entorno de Petro –vídeos de seu círculo político próximo nos quais se analisa de modo explícito possíveis estratégias eleitorais- e não é de se descartar que se intente de última hora alguma manobra similar para desacreditá-lo em vista da proximidade das eleições.
A disputa no âmbito digital
Como sucede em todo o mundo, a população colombiana não só vê televisão, ouve rádio ou lê os diários como também utiliza cada vez mais as plataformas digitais para interatuar e também para tentar se informar.
You Tube do Google é a plataforma mais utilizada em Colômbia pela população de 16 a 64 anos, seguida pelo Facebook [32 milhões de contas ativas], TikTok com 13, Instagram com 12 e Twitter com 3,2 milhões de usuários.
Segundo dados recolhidos no informe “Há concentração de Internet na América Latina? O caso Colômbia”[1], dos 61% de universo que utiliza as plataformas digitais, uns 78% usam motores de busca para encontrar informação noticiosa específica, que em Colômbia, como noutros lugares, Google monopoliza [97,2% dos casos].
Talvez por este último é que, devido ao viés algorítmico preferencial do buscador, ao analisar quais são as páginas que recebem maior tráfico de internautas em busca de informação, nos encontramos com um grau similar de falta de pluralidade, com poucas exceções.
O ranking do informe citado coloca o diário El Tiempo [Grupo Sarmiento Ângulo] em primeiro lugar com 43,6% de alcance entre o público analisado. Pulzo.com, El Espectador e Bluradio, todos do grupo Santo Domingo, aparecem em segundo, quinto e sétimo posto. No terceiro lugar está Publimetro [grupo sueco Metro Internacinoal] e no quarto a revista Semana do Grupo Gilinski. No sexto lugar se situa Las2Orillas.com, site digital de informação independente.
Mais além disto, distintos estrategistas de comunicação política assinalaram que a campanha digital que permitiu a Hernández passar pro segundo turno se baseou sobretudo em grupos de mensagem de whatsapp e mensagens curtas, de forte impacto emocional, no intento de se diferenciar distanciando da verborragia de tribuna, porém ademais, como é habitual, demonizando ao adversário sem debater propostas de fundo.
Por outra parte, as redes digitais oferecem impunidade, sem necessidade de se encarregarem de complexos planos de governo, de debater ideias, nem de ser confrontado publicamente. Ao mesmo tempo, a contratação de influencers e marqueteiros experimentados nestas plataformas segmentadas permitem que a forma seja o fundo e que as reais intenções políticas fiquem desfocadas pela tela de sua banalização.
Que propõem os candidatos para democratizar a comunicação?
Os programas das duas alternativas se diferenciam em seu conteúdo geral de maneira definitiva. O programa do Pacto Histórico promove um novo contrato de sensibilidade social e humana, proteção do meio ambiente, um forte impulso aos direitos das mulheres, dos trabalhadores, dos jovens, dos adultos de maioridade, a reparação das injustiças contra as populações afro-colombianas e indígenas e um compromisso indeclinável com o cumprimento dos Acordos de Paz, entre outros temas.
Frente a isso, a proposta da Liga Anticorrupção de Hernández representa muito mais um catálogo de medidas pragmáticas de típico corte antiburocrático com viés modernizador, que não modificam em absoluto o esquema neoliberal no qual está afundado o país.
No entanto, apesar das diferenças e ainda que de distinto modo, em ambos programas se enfatiza na necessidade de inovação digital, de extensão da conectividade universal a internet e de produção baseada nas novas tecnologias, sem intenção manifesta de regular a atuação dos monopólios digitais.
Em relação ao tema dos meios de comunicação, a plataforma de governo de Gustavo Petro assinala como elementos chaves o fortalecimento da rede pública de canais e meios regionais para a produção e difusão de conteúdos culturais de alta qualidade, enfatizando nas rádios públicas e comunitárias.
Além disso, figura expressamente no texto do programa a participação democrática nos meios de comunicação estatais e a reforma de RTVC, o sistema de meios públicos da Colômbia, para assegurar seu caráter institucional, popular e independente, para que seja “a voz das multidões, expressão da democracia multicolorida”.
Também se compromete a “promover uma lei de rádio pública, cultural e institucional que se articule e contenha parâmetros similares à lei de TV e a fortalecer os conteúdos culturais e educativos, assim como sua infraestrutura [física e equipamentos], presença territorial [descentralização] e suas alianças com orquestras sinfônicas e filarmônicas”.
As garantias expressadas em sua proposta para o exercício dos direitos à liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, no contexto da preservação dos direitos humanos individuais e coletivos, não parecem querer pôr em restrição ou afetar a acumulação e concentração proprietária presente no campo da difusão.
No caso do “engenheiro” Hernández, não há menção alguma em seu programa a aspectos relacionados com a comunicação mais além da ênfase no digital.
Esta eleição em Colômbia, uma vez mais, mostra que, se não se intermediar um grande esforço social por democratizar e descentralizar o exercício da comunicação, a democracia continua prisioneira do poder econômico, conservando grande parte de seu caráter plutocrático.
Democratização que, na atualidade, deve incluir de modo imperioso o escrutínio social sobre as plataformas digitais em forma de regulação e políticas públicas que garantam seu serviço ao bem comum.
No entanto, ainda no marco de um governo progressista, acaso surgido por prioridades como acabar com a fome, a violência física e a vulneração de direitos sociais básicos, talvez constrangido pela dificuldade de quebrar lanças com o status quo comunicacional em vista de uma eleição transcendental, não é de todo nítido o impulso para leis ou políticas que redistribuam o poder sobre a subjetividade social, poder detido na atualidade por conglomerados midiático-empresariais com um discurso cartelizado.
A recuperação dos espaços comunicacionais como direito humano fundamental e premissa de qualquer democracia real continuará constituindo em Colômbia uma missão pendente que o movimento popular deverá exigir do novo governo.
[1] Levy Gabriel. ¿Hay concentración de Internet en América Latina? El caso Colombia. Observacom.
(*) Por Javier Tolcachier – Tradução de Joaquim Lisboa Neto
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