As últimas semanas de 2022 ofereceram fatos que ajudam a desmistificar a intensa campanha ideológica que promove a prestação dos serviços públicos por empresas privadas como a única saída para obter os recursos necessários à universalização em especial do abastecimento de água e do esgotamento sanitário. Senão vejamos:
O governo do Rio Grande do Sul que enfrenta forte resistência à sua intenção de vender a companhia gaúcha de saneamento básico (CORSAN), lista entre outras justificativas para a privatização “a impossibilidade das empresas públicas de buscarem financiamento de agentes como o BNDES.” (FSP 16/12/2022).
Por outro lado a Aegea, grupo privado que controla vários prestadores, contratou com o BNDES ontem, 19/12, por meio de sua controlada Águas do Rio, empréstimo no valor de RS 19,3 bilhões (atenção leitor: não são milhões de reais e sim bilhões!) para financiar o pagamento de quase todo o valor que a Aegea ofereceu pelas outorgas dos seus contratos de concessão no Estado do Rio de Janeiro. Este financiamento é o segundo maior da história do BNDES e a Diretora de Crédito à Infraestrutura do banco, Solange Vieira, classificou a aprovação da operação como “emblemática”.
Olhando melhor os dois fatos, constata-se que eles são realmente “emblemáticos” do papel desempenhado pelo BNDES no governo Bolsonaro: por um lado sufocando as empresas públicas e por outro favorecendo com empréstimos vultosos os prestadores privados.
Salta aos olhos que a privatização dos serviços de água e esgotos está sendo financiada por recursos públicos. Um aspecto adicional a destacar é que serão as tarifas mais caras cobradas pela Águas do Rio que vão viabilizar o pagamento destes empréstimos ao BNDES. Ou seja, quando uma estatal presta o serviço, suas tarifas, grosso modo, devem cobrir os custos de operação e os custos dos investimentos. No caso da concessionária privada, além dessas duas parcelas, oneram a tarifa a ser paga pelo usuário, o lucro dos acionistas e o custo financeiro da outorga.
Licitar concessões tendo como critério o maior valor de outorga ofertado pelos licitantes é atraente para governadores e prefeitos com dificuldades de caixa. Mas gera graves distorções: nas concessões do Amapá, Alagoas e Rio de Janeiro, os valores das outorgas totalizam R$ 29,5 bilhões a serem pagas à vista enquanto os investimentos a serem feitos ao longo dos 35 anos de duração dos contratos totalizam R$ 45,8 bilhões. É evidente o impacto negativo das outorgas sobre a tarifas, portanto sobre a acessibilidade econômica dos usuários de menor renda, onde se concentra o déficit de atendimento.
O dinheiro das outorgas não será gasto em saneamento básico. No caso do Rio de Janeiro, existem denúncias de que os recursos foram usados para outros fins, alheios à prestação de serviço de saneamento que deveria ser realizado pela empresa.
Aliás, o exame das concessões desses três estados desmente a afirmação de que a privatização está sendo incentivada para atingir a universalização. Segundo o site do BNDES, a população total das áreas das concessões é de 17 milhões e a população a ser atendida pelas concessionárias totaliza 10,2 milhões.
Ganha a taça quem afirmar que os 4,8 milhões não atendidos são a população rural e a de vilas e comunidades carentes, ou seja os mais pobres que continuarão sem os serviços enquanto o lucro das empresas privadas está garantido.
Felizmente, o presidente Lula sabe, conforme afirmou em entrevista à TVE do Ceará, que universalizar água e esgoto é responsabilidade do Estado Brasileiro. Portanto, as operações BNDES e Caixa Econômica precisam ser reestruturadas e direcionadas para elevar o desempenho de todos os prestadores e viabilizar a meta da universalização incluindo as populações vulneráveis.
(*) Paulo Pimenta, jornalista, técnico agrícola edeputado federal reeleito pelo PT/RS.
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