Depois dos atos terroristas de 8 de janeiro, nada mais é surpresa no Brasil.
Depois dos infortúnios de trabalho escravo contemporâneo, vem um parlamentar, oriundo da família imperial – aquela mesma que extinguiu a escravidão no país, em 1888 – propor extinguir o Ministério Público do Trabalho (MPT), órgão de investigação e combate ao trabalho escravo no Brasil.
A manchete que li foi a seguinte:Deputado “príncipe” une parlamentares de SC e RS para criarlei que extingue órgão de combate ao trabalho escravo.
Seu nome: Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).
O pior na matéria é que chama a atenção para o número de deputados catarinenses e gaúchos que assinam a PEC.
Já tínhamos presenciado horrorizados o pronunciamento racista do vereador de Caxias, o qual foi indiciado por racismo após falas contra baianos. Tem processo de sua cassação na Câmara local.
Já no último dia 14, mais uma notícia triste. Foi noticiada a família de bolivianos que vivia num cubículo com uma criança de quatro anos atada com fios, junto a um nenê e a família forçada a trabalho indigno.
A cada dia que passa mais dados aparecem sobre o caso dos trabalhadores de Uruguaiana, nas plantações de arroz.
Como chegamos a isso no Brasil?
Genocídio do povo Ianomâmi, com mortes de crianças por fome e doenças; devastação de florestas e contaminação de rios pelo garimpo ilegal, tráfico de animais silvestres, desmatamentos, mogno sendo levado ao exterior, queimadas e desmatamentos. Ministro da Justiça tramando golpes e tendo problemas com a criação ilegal de aves. Ministro do Meio Ambiente acusado de contrabando de madeira. Cinco anos sem esclarecimentos da morte de Marielle.
Como podem os governantes reter para desfrute pessoal e privado joias e presentes que são patrimônio da União?
Como podem crimes ficar impunes quando envolvem pessoas ligadas a governos, gente graúda?
Não é apenas no Brasil que a democracia foi abalada. O golpe de 8 de janeiro foi estancado. Há presos, mas ainda sem as condenações, o que podem demorar.
Para entender estes fenômenos é preciso ler alguns livros. Tais quais eu sugiro:
– Como Morrem as Democracias, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores em Harvard, com mais de 20 anos de estudos sobre a queda de democracias na Europa e na América Latina.
– Os engenheiros do caos, de Giugliano da Empoli. Trata de como as fakenews, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições.
– Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt.
Haveria muitas outras indicações. Mas sempre corrermos contra o tempo.Não posso falar ainda de O Novo Iluminismo, de Steven Pinker, pois ele defende que, apesar de tudo isso, estamos evoluindo. Preciso concluir e pensar.
Eles, os abomináveis e inomináveis, estão aí: Steve Bannon, o homem-orquestra que circula pelo mundo, organizando sua Internacional, ajudou Trump para depois este declarar que Bannon era “um babão”, mas aí ele já andava pelo outro lado do planeta, pois para este não importa o que se fala, o que importa é seu ego e seus objetivos populistas.
Já foi preso. Ajudou Bolsonaro.
Destas mentes do mal, saem as manipulações de outras mentes, estas apreensivas com suas vidas, com seu emprego, com a falta de moradia etc. Eles extraem de pesquisas nas redes e na sociedade o que está afligindo as pessoas num dado momento e buscam saber quem vai vestir as vestes da direita mais agressiva, para atacar instituições, o status quo, falando mal dos outros políticos (que para eles são tradicionais parasitas). Ou lhes bastam num momento que vistam as camisas amarelas, que em três semanas juntam nas ruas 300 mil na França.
Lembram como fizeram com as Jornadas de junho de 2013 no Brasil. Black Blocks infiltrados, e gente de esquerda caiu no conto do vigário.
Uma das razões porque escrevo há tempo é para dar minha contribuição, fruto de meus estudos e lutas. Minha primeira faculdade foi pública. Tenho que devolver algo de útil para a sociedade.
Não é fortuito que Bolsonaro recebeu apoio de Orban.
O fascista Orban – que foi eleito inicialmente por ser um democrata que lutou para livrar a Hungria do antigo jogo soviético e seus burocratas de plantão – fez uso do processo eleitoral e democrático para vencer, impondo medo e terror ao seu povo, como se os outros quisessem tomar conta da Hungria. Uma jogada fantasiosa sobre os migrantes “virou a realidade”.
Ainda tem gato nesta tuba
O extremista que foi varrido do Palácio do Planalto não se dá por vencido. Ele continua a tramar.
Temos que aprender com O Ovo da Serpente, aquele memorável filme de Ingmar Bergman.
As notas públicas de entidades estaduais e postagens de empresas e alguns CEOs é algo abominável num país que há 34 anos aprovou uma Constituição Cidadã. Não responde ao infortúnio acontecido nas suas barbas.
Os empresários tanto pediram para mudar a CLT, e a Reforma Trabalhista veio e os beneficiou. Agora se queixam da mesma e dos órgãos de fiscalização; logo, não tem surpresa de parlamentares do RS apoiarem esta barbaridade do deputado “Príncipe”.
Mas também não adianta querer inovar sem soluçõesverdadeiras. Por isso, criar algo no lugar da CLT não acho correto, não vai ajudar os trabalhadores em nada.
Nossos parlamentares deveriam centrar suas atenções em fazer cumprir as leis; assim prestariam um serviço maior do que o tempo todo tentar criar uma nova lei sem embasamento.
Autoridades dos Executivos, legisladores em todos os níveis, órgãos de fiscalização deveriam centrar esforçar em fazer cumprir os ditames da Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Acesso à Informação, Lei Anticorrupção, Lei Geral de Proteção de Dados, Marco Civil da Internet, e seguramente avançaríamos em muito mais.
Além disso, executivos, parlamentares, gestores devem pensar nas políticas decompliance, nos princípios ESG, que amplamente já falei neste canal; e seguramente avançaríamos muito mais.
Seguramente avançaríamos muito mais se todos nós fizéssemos nosso dever de casa: pedir nota fiscal, por exemplo. Não sujar as ruas.
Ou seja, nada vai evoluir sem a ação cidadã. Somos nós, brasileiros de qualquer quadrante, em quaisquer circunstâncias fazendo valer nossos direitos e cumprindo nossos deveres.
Sairemos, mais dia menos dia, deste labirinto.
(*) Por Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito.
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