Eram meados da década de 70 e nós, brasileiros, submetidos a um regime militar desde 1964, comemorávamos a Revolução dos Cravos, em Portugal.
Lá, os portugueses puseram fim, em abril de 1974, a não menos que 41 anos de governo ditatorial.
Em um de seus tantos momentos de genialidade, Chico Buarque compôs Tanto Mar, refletindo esse sentimento de tantos de nós.
De passagem pelo Rio, resolvi aproveitar para vê-lo e ouvi-lo.
Na porta do teatro o público era aguardado por jovens estudantes, que distribuiam folhas de papel.
Chico Buarque surgiu no palco, sentou-se em seu discreto banco e começou a dedilhar o violão.
Não tardou para que todos entendêssemos. Ele conduzia a harmonia e nós, os que não tínhamos a voz embargada por lágrimas incontidas, entoávamos Tanto Mar.
Era a manifestação da nossa revolta com a censura imposta à música e contra a própria ditadura. Ao mesmo tempo, um vigoroso canto de esperança, enquanto saudávamos os irmãos portugueses.
Em mais de quatro décadas, Chico Buarque presenteou a língua portuguesa com as letras de uma infinidade de músicas, poesias da mais admirável qualidade. Compôs melodias para acompanhar poesias, como Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Escreveu romances e peças teatrais.
Enfim, mereceu se habilitar ao prêmio maior da literatura de língua portuguesa e foi reconhecido por isso.
O presidente brasileiro que desonrou o seu mandato não perdeu mais essa oportunidade para demonstrar enfaticamente a sua total desqualificação para o cargo. Negou-se a assinar o título. E o presidente português pacientemente aguardou quatro anos. Agora teve Lula para enriquecer o título, associando-se à homenagem.
“Sei que está em festa, pá.
Fico contente.
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim.
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim.”
Não poderia haver data mais adequada para que portugueses e brasileiros erguessem nos braços Chico Buarque e a sua notável obra literária.
(*) Por Fernando Tolentino
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