Familiares e amigos se despedem do ex-deputado federal David Miranda: ‘exemplo de luta’. Miranda foi internado no dia 6 de agosto do ano passado para tratar uma infecção gastrointestinal. Depois, sofreu de infecções sucessivas, em um quadro de septicemia
O corpo do ex-vereador e ex-deputado federal David Miranda, de 37 anos, foi velado nesta quarta-feira (10) no hall do Palácio Pedro Ernesto, sede do Poder Legislativo municipal, no Centro do Rio.
Aberta ao público, a cerimônia começou às 14h e foi encerrada às 17h. Do lado de fora da Câmara, uma salva de palmas e balões nas cores vermelha e branca marcaram o fim do velório. O corpo foi levado a uma funerária e será cremado nesta quinta-feira (11).
Bastante emocionados, os filhos e o marido do parlamentar, o jornalista Glenn Greenwald, chegaram pouco depois das 15h ao local e receberam o carinho dos amigos. A tia que criou David Miranda também esteve presente. Além deles, foram à Câmara se despedir amigos e várias personalidades do cenário político.
Entre elas estão: os deputados federais Orlando Silva (PCdoB), Taliria Petrone (Psol) e Samia Bonfim (Psol); a deputada estadual Martha Rocha (PDT); os vereadores Mônica Benicio (Psol), Luciana Boiteux (Psol), Teresa Bergher (Cidadania), Vera Lins (Progressistas) e Carlo Caiado (PSD); e o prefeito Eduardo Paes.
Carlo Caiado, presidente da Câmara do Rio, falou que a relação com o ex-deputado sempre foi de muito respeito. “A gente teve muitos embates. Ele defendendo um lado, eu defendendo outro. Mas sempre muito elegante, muito produtivo, o que faz parte da democracia.”
Mônica Benício destacou que o ex-deputado federal deixa um legado de amor, alegria e afeto, que estavam representados “na política corajosa e respeitosa, não só com a população do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil.”
“A expressividade da política dele tava na vida pessoal dele, que revelava sobre o amor à família, sobre o amor às pessoas, aos direitos humanos. Foi um grande ativista, sem dúvida nenhuma, na pauta de direitos humanos e em especial na pauta LGBT, dando a sua vida como um exemplo de luta e da construção de uma sociedade mais justa que ele tanto sonhava e construía na sua prática.”
Já o prefeito do Rio falou que a morte de Miranda representa uma perda para a cidade. “O Rio e o Brasil precisam de Davids Miranda, pessoas que tiveram todo o tipo de obstáculos na vida, desde a sua orientação sexual, sua origem, sua cor, e conseguem superar esse obstáculo”, falou Eduardo Paes.
“Ele lutava pela educação, ele enfrentava o preconceito. Ele não tolerava a violencia e lutou muito nos últimos meses quando teve a saúde afetada. Ele está em um lugar tranquilo. E de onde ele está, ele vai cuidar da família e das causas que ele sempre lutou”, falou Martha Rocha.
“Tive a oportunidade de conviver com ele no Congresso Nacional, de ver a disposição por lutar, o idealismo político que ele tinha. Mas vale o que ele produziu enquanto viveu, vale a luta que ele travou e que sirva de inspiração para mobilizar outros jovens da periferia e negros para lutar por um Brasil melhor”, disse Orlando Silva.
Para Samia Bonfim, Miranda é uma referência para toda uma geração que luta por igualdade social. “Um jovem negro, de favela e que tinha a principal bandeira a população LGBT. Ele encantava todo mundo por onde passava. Sempre muito corajoso. Uma história de vida, que veio da favela, chegou ao parlamento e enfrentou poderesos internacionais. O legado dele precisa ser levado adiante. Vamos levar com muito carinho, respeito e vamos tentar segui-lo.”
Internado desde agosto
Miranda estava internado havia nove meses em uma unidade de tratamento intensivo da Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, e, segundo seu marido, o jornalista Glenn Greenwald, “morreu em paz, cercado por nossos filhos, família e amigos”.
O ex-parlamentar foi hospitalizado em agosto de 2022 devido a uma inflamação e infecção na região abdominal. O político morreu na manhã desta terça-feira (9) depois de sofrer sucessivas infecções, em um quadro de septicemia.
David Michel dos Santos Miranda nasceu em 10 de maio de 1985, na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. Sua trajetória política teve início em 2016, quando foi eleito pelo PSOL como o primeiro vereador declarado LGBTQIA+ da história da Câmara Municipal, priorizando a apresentação de projetos em defesa dos direitos desta comunidade.
Como vereador, foi autor da lei que garantiu o uso do nome social por travestis e transexuais no âmbito da administração municipal e a lei que determina a divulgação do Disque 100 contra o racismo, entre mais de dez normas das quais e foi autor ou coautor.
Em 2019, assumiu uma vaga de deputado federal, após Jean Wyllys deixar o país por receber ameaças de morte.
O político, que completaria 38 anos nesta quarta, deixa o marido, o jornalista Gleen Greenwald, e três filhos: João, Jonathas e Marcelo.
Snowden homenageia David
O ex-analista de sistemas da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) e da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos Edward Snowden prestou homenagens a Miranda.
O americano ressaltou a coragem do ex-parlamentar brasileiro após a revelação dos programas secretos de vigilância global de Washington, em 2013.
David Miranda esteve à frente da campanha pelo asilo ao ex-analista e também trabalhou ao lado de Greenwald na divulgação de detalhes do escândalo de espionagem. As reportagens sobre o caso foram elaboradas a partir de documentos vazados da inteligência americana por Snowden.
O americano destacou que a morte de David era de “partir o coração”. “De todos que participaram das revelações de 2013 sobre vigilância em massa global, meu querido amigo David Miranda foi talvez o mais justo e puro. Jamais esquecerei que, quando o Reino Unido quebrou suas próprias leis para deter David como um ‘terrorista’ por ousar ajudar um ato de jornalismo – e ameaçou jogá-lo em uma masmorra pelo resto de sua vida – ele nunca vacilou. Em vez disso, ele os desafiou a fazê-lo. Foi essa coragem que o libertou”, escreveu Snowden.
Em agosto de 2013, durante a escala de um voo em Londres, na Inglaterra, Miranda chegou a ser detido pelo governo britânico por conta do trabalho junto a Glenn. Ele foi interrogado durante nove horas no Aeroporto de Heathrow sob a lei antiterrorismo do país.
À época, as autoridades britânicas alegaram que o ex-político brasileiro estava envolvido com “terrorismo” quando foi detido tentando transportar documentos de Snowden, segundo a polícia e documentos de inteligência.
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