Vamos parar de falar que somos gaúchos. Não, nós somos rio-grandenses. Gaúchos restam poucos. Leiam o livro “Os gaúchos” de Ondina Fachel Leal e dar-me-ão razão. Nós somos há muito um Estado federativo brasileiro, ao Sul, influenciado não mais apenas por uruguaios e argentinos, mas encharcados pelas ondas do capitalismo global.
Eu sou migrante. Um ser que nos últimos 50 anos aprendeu muito sobre o Rio Grande do Sul, porque soube escutar e ler a História criticamente. Herdei até coisas dos velhos gaúchos. Vivo Porto Alegre tanto quanto o mais autêntico porto-alegrense nascido na maternidade do Hospital Moinhos de Vento.
Como brasileiro, cidadão do mundo, sujeito integral deste Estado Meridional vou tentar mostrar os dramas de nossa situação.
O Rio Grande do Sul tem quase 200 anos a menos de ocupação do que São Paulo e Rio de Janeiro. É um “estado novo”. Já foi o terceiro estado da federação em termos de riquezas e desenvolvimento econômico. Ainda estaria em quarto, com Santa Catarina, Paraná colado em nós. Ainda estamos nesta posição, porque a produção de grãos, em especial, da soja nos coloca neste posto.
Porém, em termos de diversidade e inovação produtiva, somos a vergonha. Há alguns anos estávamos na ponta de tecnologia, agora Santa Catarina e Minas estão embalados para nos passar em seguida.
Atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o maior produtor de alimentos orgânicos no Brasil. Sua estrutura está dividida ao longo de cem cooperativas, 96 agroindústrias e 1,9 mil associações. Com grande produção de arroz orgânico do Estado, pelos assentamentos do MST, o Paraná, segundo minhas pesquisas, está em primeiro lugar. Isto é um contrassenso, pois alguns municípios, como Ipê, no RS, é conhecido como a capital dos orgânicos. Crescem as cooperativas dos Sem Terra, vão à falência as tradicionais. Cresce Sicredi, Cresol e Sicoop; e o Banrisul querem vender.
O que está acontecendo por aqui?
Lendo Vianna Moog – ´”Pioneiros e Bandeirantes” – onde aprendemos as diferenças entre a colonização do Brasil e dos Estados Unidos, podemos captar algo para os dias atuais. Agricultores saem do Rio Grande do Sul, num primeiro momento, em busca de terras férteis no Oeste de SC e no Sudoeste do Paraná. Ou seja, exauriram as terras daqui e se mandaram. E foram abrindo as fronteiras agrícolas no MS e MT, depois no Norte e Nordeste. Fala-se em pioneirismo. Não, foi típica ação de bandeirantes.
E os jovens. Faça uma pesquisa em seu meio, e vai descobrir que os eles estão fugindo faz tempos para a Austrália, Canadá, Portugal, pelo mundo afora. Como as autoridades locais nada falam sobre a diminuição de nossa população?
A Folha de São Paulo deu esta manchete: “Mais da metade dos municípios gaúchos encolheu, segundo Censo”.
Envelhecimento da população, queda de natalidade e economia são apontados como motivos.
Ora, e o que dizem as autoridades? Nada, absolutamente nada. A capital perdeu 80 mil habitantes, o que disseram as autoridades locais? Nada, absolutamente nada.
Alguns porto-alegrenses voltaram a suas cidades de origem depois de se aposentarem, certo número foi morar nas praias e uma legião deles foi morar em SC, tornando Garopaba e outras as “praias dos gaúchos”, digo, rio-grandenses, na vizinha SC.
Idosos saem de Porto Alegre, porque não tem políticas para este segmento aqui. Somos a capital e o Estado brasileiro com mais idosos. Mas os governos desdenham os velhos e os jovens.
Um Estado que não se repensa, que não tem ousadia de tratar as pessoas com dignidade, como sua multidão de idosos, não vai para frente, segue os nossos cavalos, cuja cauda “cresce” para baixo.
Fomos o Estado dos capitães da indústria como A.J. Renner, Metz, Klein, Marquart, Scherer, Secco, Neugebauer, Gerdau, Eberle, Randon, Zaffari. O que temos hoje em dia? Cite dez além do Zaffari com nome e renome.
Na área do comércio de alimentos fomos invadidos pelo Carrefour que não teve o sucesso esperado. Agora, descem os catarinenses, Forte Atacado, Bisteke outros.
Posso, agora, lhe dar as 10 mais de SC: BRF, também presente por aqui, WEG, Engie Brasil Energia. Aurora Coop, Celesc- aqui vendemos a CEEE para esta empresa de última, Equatorial -Whirlpool. Tupy, Cooperativa Agroindustrial Alfa está vindo para o Norte do Estado do RS com força. Nem vou falar da cadeia de esmaltados, tijolos etc do Sul catarinense. Uma força gigantesca, e aqui? O que é gigante aqui? A monocultura.
Estes elementos são para que nosso leitor pense sobre nossa história escravista, sendo que Pelotas chegou a ter 75 por cento de sua população escravizada, toda a riqueza das charqueadas foi tirada do sangue e suor dos escravos.
Em Porto Alegre, tínhamos em 1814 uma população negra de mais de 50%, e muitas e muitas famílias tinham escravos.
O Rio Grande do Sul não é apenas um estado com menos gente, com uma economia em crise, com o pavor da Natureza que é a plantação da exótica madeira de extração, da monocultura da soja. Não, tem mais: é o Estado que ataca o Bioma do Pampa, traz o deserto para a Fronteira Oeste, elimina os capões, que seca as vertentes, que não obedece a lei que garante matas ciliares. É o Estado que maltrata a sua Natureza e o seu povo. E, agora, sistematicamente é o Estado que também escraviza.
Por isso, já disse e repito, este é um escrito de combate e de lutas. Fiz dois livros falando a verdade da Escravidão contemporânea, contra os mitos, lendas e mentiras tão espalhadas em nosso território.
(*) Adeli Sell, é professor, escritor, bacharel em Direito e vereador do PT em Porto Alegre, RS.