Fora preciso gastar tanto tempo porque a Lava Jato desacreditara de tal modo os mecanismos da justiça criminal que, no caso de Bolsonaro, o inquérito policial teve de acumular uma superabundância de provas antes de seu indiciamento e de as investigações serem consideradas em condições de entrega à Justiça.
Não se trata ainda das investigações sobre o golpe frustrado de janeiro de 2023, com a ocupação do Congresso, do Supremo e do Palácio do Planalto nos primeiros dias do governo Lula, para forçar uma intervenção militar, a reversão do resultado da eleição presidencial de 2022 e a reinstalação de Bolsonaro no poder. Na discussão sobre as muitas ações criminosas de Bolsonaro, tanto durante seu governo quanto depois de deixá-lo, essa tem sido tratada como sendo a pior, mas parece que pode demorar um pouco mais.
Os processos que a Polícia Federal deve concluir ainda neste mês de junho são o das joias da Arábia Saudita e o da falsificação dos cartões de vacinação contra a Covid – e nisso o destino parece ter sido bem camarada com o Brasil de hoje.
A grande votação que Bolsonaro inegavelmente alcançou nas duas últimas eleições presidenciais – a de 2018, em que ele venceu, e a de 2022, em que ele perdeu – mostra, também inegavelmente, o quanto o processo civilizatório foi contido e revertido no arrastão de extrema-direita que varre o mundo e que no Brasil teve como instrumento mais eficaz e cruel a operação Lava Jato.
Graças a ela e à torrencial cobertura que teve na grande mídia, Lula foi posto na cadeia por mais de quinhentos dias para não poder disputar uma eleição que sem dúvida venceria, e Bolsonaro ganhou quatro anos de mandato para um governo sem corrupção e contra a corrupção alheia.
Essa impostura envenenou a opinião média dos brasileiros, não só nos grupos mais pobres, cada vez mais governados por mais de uma vertente de fundamentalismo e primitivismo religioso, como em grupos de classe média para cima, beneficiários de boa escola e boa qualidade de vida, mas também convertidos à cruzada que se pretendia anticorrupção e pró-valores da família.
Agora, investigações conduzidas sem a fanfarra lavajatista das conduções coercitivas, das prisões preventivas intermináveis e das delações premiadas arrancadas a fórceps, a Polícia Federal acumula provas de que Bolsonaro se apoderou de joias que não eram dele e, para ocultar esse crime, mandou vendê-las fora do Brasil, para receber escondido os muitos dólares correspondentes. Algum exemplo melhor poderia ser oferecido em matéria de corrupção?
As provas contra Bolsonaro no caso do roubo das joias lembram o caso do gângster Al Capone nos Estados Unidos da época da Lei Seca. Al Capone escapava sempre de seus muitos crimes de morte, mas, afinal, foi preso por sonegação do imposto de renda. Bolsonaro até agora está impune pela tentativa de golpe de janeiro de 2023 – um ano e meio de impunidade, quase o tempo de prisão de Lula, que passou um ano e sete meses na carceragem da República de Sérgio Moro em Curitiba.
A questão mais importante agora não é se Bolsonaro vai ser preso ou por quanto tempo vai ser preso por causa do roubo das joias, quando já poderia ter sido julgado pela tentativa de golpe de janeiro de 2023. A questão é em que medida as provas de sua corrupção podem convencer seus eleitores de 2018 e 2022 da impostura que ele é e da impostura ainda maior que atrela tantos eleitores a votar contra os verdadeiros interesses de seu país e deles próprios.
A outra investigação prestes a chegar ao fim é sobre a falsificação dos cartões de vacinação. Ela, em primeiro lugar, abre caminho para Bolsonaro ser investigado e processado por entrar e permanecer nos Estados Unidos sem que ele e seus acompanhantes estivessem vacinados contra a Covid, pondo em risco muitas vidas americanas. E também chama atenção para os muitos crimes decorrentes da conduta de Bolsonaro durante a pandemia – desde as muitas vezes em que, sem estar vacinado, abraçou adultos e crianças nas manifestações e motociatas de seus fins de semana até a parte que lhe cabe de culpa pelas 700 mil mortes que aquela “gripezinha”, como ele a viu, viria a causar no Brasil.
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(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.