A Polícia Federal concluiu, afinal, as investigações sobre o caso das jóias da Arábia Saudita e indiciou Bolsonaro pelo crime de apropriação de bens públicos (“peculato”, na letra da lei), além de crimes como lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Traduzida da cerimoniosa letra da lei para a linguagem do cotidiano e associada a sua irmã gêmea, a apropriação de qualquer bem privado (“furto” ou, se praticado com violência, “roubo”), a acusação leva Bolsonaro para a proximidade virtual dos antigos e até folclóricos ladrões de galinheiro e batedores de carteira. Naturalmente, o caso dele é diferente, tem até uma certa classe, uma espécie de elegância aristocrática, e mais se aproxima dos grandes escândalos empresariais, como o caso das Lojas Americanas.
Nos próximos dias, Bolsonaro estará no Balneário Camboriú, em Santa Catarina, reduto dos novos ricos com seus edifícios de 80 e até 100 andares, confraternizando numa conferência conservadora com o Presidente da Argentina, Javier Milei.
Milei planejava fazer de sua presença, em Camboriú, uma das manchetes internacionais do fim de semana e para valorizá-la ainda mais anunciou que não comparecerá na segunda-feira à reunião de cúpula do Mercosul, em Assunção. Nessa reunião ele estaria face a face com Lula, a quem xingou nos últimos dias, chamando-o de “corrupto”, “comunista” e “dinossauro idiota”. Em Camboriú, longe de Lula, ele poderia repetir o xingamento, reproduzindo o episódio cafajeste que protagonizou em maio na Espanha.
Trata-se, pelo visto, de uma nova criação, uma nova performance, mais caricatural que teatral, bolada pelo mesmo tipo mental dos roteiristas do gabinete do ódio de Bolsonaro já na campanha de 2018, com aquela mamadeira erótica e o kit gay.
Milei desembarcou em Madri como se fosse um turista de short e boné, não como o Chefe de Estado que é e que deveria ser recebido no aeroporto por algum funcionário graduado do governo espanhol, mesmo chegando em viagem privada. Desembarcou quase clandestinamente, coisa de moleque exibicionista, querendo se mostrar.
Discursando depois numa conferência conservadora internacional organizada pelo partido Vox, com a presença da francesa Martine de Pen e a participação via vídeo de Georgia Meloni, Primeira-Ministra da Itália, e de Victor Orban, Primeiro-Ministro da Hungria, Milei, um estrangeiro, mas não um estrangeiro qualquer, entrou desafiadoramente em questões internas do país que o recebia e acusou de corrupção a mulher do Primeiro-Ministro da Espanha Pedro Sanchez, Begoña Gomez. Uma provocação clara e premeditada e que poderia ser respondida com a imediata detenção e deportação de Milei – o que provocaria manchetes ainda mais estridentes e daria oportunidade a ele de se declarar um mártir da liberdade de expressão, amordaçado e expulso por um governo comunista.
O governo, na Espanha, reagiu civilizada e inteligentemente: deixou Milei ir embora sem ser incomodado; em seguida, chamou de volta a Madri sua embaixadora na Argentina e, depois, anunciou que ela não voltaria a Buenos Aires – um verdadeiro pré-rompimento de relações diplomáticas.
Com a viagem ao Brasil agora, era o mesmo o plano de Milei (dele ou de quem o manobra nesses esquetes para circo ou televisão de quinta categoria): repetir o xingamento a Lula, agora em território brasileiro, no cenário dos arranha-céus de Camboriú.
Mas como acusar Lula de corrupção ao lado de Bolsonaro, agora acusado, oficialmente, e indiciado pelo furto das jóias que recebeu na Arábia Saudita como presente ao governo brasileiro?
E vai ter mais, já nas próximas semanas, se não nos próximos dias. A Polícia Federal está concluindo o inquérito dos cartões falsificados de vacinação contra covid-19 e descobriu que existia, na Prefeitura de Duque de Caxias, no Grande Rio, um esquema bem montado de venda de certificados falsos.
Esse esquema pode ter sido organizado a partir da linha de montagem improvisada para produzir os cartões falsos de Bolsonaro&família ou existia antes e foi aproveitado por Bolsonaro. As duas hipóteses são péssimas para ele, mas, a segunda, é ainda pior: em vez de aproveitar o esquema, ele tinha era de chamar a polícia.
NA INGLATERRA, OS CONSERVADORES PERDERAM FEIO, MAS A EXTREMA DIREITA AVANÇOU MUITO BEM
Um dado a considerar na eleição britânica é que o partido de extrema direita ReformUK não se limitou a conquistar 13 cadeiras no novo Parlamento. Em muitos distritos conquistados pelos trabalhistas, o partido que ficou em segundo lugar não foi o Conservador, mas o ReformUK. O Partido Conservador está acabando, da mesma forma que, no Brasil, o PSDB.
E um nome a observar daqui em diante no noticiário sobre a ofensiva internacional da extrema-direita é o de Nigel Farage, líder do ReformUK, que comemorou os resultados da eleição anunciando que sua próxima tarefa é ajudar na eleição de Trump.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.