Exploração da geopolítica, energia e finanças para entender as mudanças do da humanidade no século 21
Iniciamos com este artigo os três temas principais que nos ajudam a compreender as mudanças ocorridas neste século e as perspectivas que já podemos perceber.
Começamos pelo próprio homem, “Geopolítica e Humanidade”; prosseguiremos tratando da condição básica para o progresso da sociedade: “Energia e Desenvolvimento”; concluindo com a disputa que se trava neste século pelo domínio da sociedade e da própria vida dos seres humanos: “Finanças e Poder”.
Lewis Mumford (1895-1990), historiador nascido em Nova York, Estados Unidos da América (EUA), observava que três obsessões impedem que a humanidade disfrute vida produtiva e feliz: a do dinheiro, a do poder e a dos símbolos religiosos. Pelo país e pela época em que atuou, Munford se deixou levar pelas disputas que mudavam as relações entre as nações, quer colonizadoras, quer colonizadas. Porém sua contribuição foi mais ampla e relevante.
A comunicação e o homem
A antropologia reconhece no Australopithecus afarensis o primeiro hominídeo, bípede explorador das savanas africanas, oriental e central. A linguagem foi simultaneamente o fator de coesão e da distinção do homem primitivo, dela surgindo a diversidade racial.
O homem teve seu desenvolvimento construído a partir de sua relação com os meios físico e social. Há, como sempre ocorreu, permanente troca de mensagens entre estas realidades, física e social, que condicionam a capacidade cognitiva e o repertório humano, em contínuo acréscimo de informação.
Neste sentido a mais recente e maior contribuição vem do neurocientista Miguel Nicolelis (São Paulo, 1961), sábio brasileiro, professor na Duke University (Durham, Carolina do Norte, EUA), membro da Academia de Ciência da França e eleito pela Scientific American, em 2004, como dos 20 cientistas mais influentes do mundo.
Nicolelis distingue duas categorias de mensagens. A que denomina “informação shannoniana”, digital, valendo-se de código binário, a “S-info” e a “informação gödeliana”, analógica, contínua, a “G-info”.
Claude Shannon (1916-2001), conhecido como “pai da teoria da informação”, no artigo de 1948 “A Mathematical Theory of Communication”, publicado no Bell System Technical Journal, apresenta a fórmula probabilística de encontrar a informação no conjunto de possibilidades de um emissor. E entropia de um sistema passou a ser a definição quantitativa do arranjo dos elementos, contidos num espaço limitado, de onde sai a informação contida na mensagem.
Kurt Gödel (1906-1978), matemático e lógico tcheco, naturalizado estadunidense, publicou seus dois teoremas da incompletude em 1931, aos 25 anos, um ano após terminar seu doutorado em Viena. Fez também contribuições importantes para a teoria da prova, esclarecendo as conexões entre a lógica clássica, a lógica intuicionista e a lógica modal.
A evolução da comunicação pode ser observada por diversos critérios. Adotaremos, neste mundo financista, a moeda, uma das análises de Miguel Nicolelis em O Verdadeiro Criador de Tudo (Editora Planeta, SP, 2020).
A moeda surge com as trocas, é um elemento concreto e, em muitos casos, utilitário. No mais longínquo tempo tinha-se: na Ásia, o arroz; na China, o sal; na Babilônia, a cevada; entre os astecas, o cacau e vestes de algodão; porém entre os árabes e os vikings, os seres humanos, escravizados, também serviam como meio de troca.
Numa fase seguinte, os minerais: ouro, prata, cobre, ferro e estanho (Malásia) passam a ser usados como moeda e têm vida muito longa. O ouro é usado desde 3.000 a.C. (Mesopotâmia) até 600 d.C. quando a China, pioneiramente, adota o dinheiro em papel. Mas da China para o restante do mundo delongaram-se muitos séculos. O papel moeda só vigorará no Ocidente após o Renascimento, com o surgimento da Idade Moderna.
No século 20 começa nova era comunicacional, e as moedas ganham um sentido cada vez mais abstrato: cartões de crédito e dinheiro bancário eletrônico, até chegarmos à moeda virtual, sem qualquer materialidade, como a criptomoeda, o bitcoin do século 21.
Se os ocidentais construíram igrejas para cultuar o desconhecimento da vida e do universo, os atuais constroem templos para outro ser que não é visível, mas sua presença muda a vida de todos, a “Igreja do Mercado Financeiro”, abreviadamente, “Mercado”.
“O sistema financeiro mundial escapou ao controle de qualquer ser humano ou instituição de fiscalização, passando a ser dirigido, única e exclusivamente, por uma guerra virtual, não declarada, entre número razoável de supercomputadores que disputam a supremacia dos mercados, agindo como prepostos de vice-reis humanos, que assistem a essa feroz disputa a distância, tendo perdido qualquer compreensão do novo ecossistema econômico, cruzando os dedos e rezando por resultado positivo. Basicamente, este é o diagnóstico mais acurado de como a engrenagem da economia mundial se move hoje” (Miguel Nicolelis, obra citada).
Ao que se deve acrescentar, na direção da guerra, de múltiplas destruições.
Geopolítica na era virtual
Golbery do Couto e Silva (1911-1987) definia como campo da geopolítica: a doutrina, onde ele inseriu a metodologia, a cosmovisão ou, como escreveu, “Weltanschauung” (visão do mundo) e as diretrizes para ação. Com isso, o general estrategista de 1964, em Aspectos Geopolíticos do Brasil (1960), uniu a ideologia à ação.
Sobreviveria esta concepção à virtualidade do século 21, quando armas lançadas por quem está do outro lado do mundo se autodirigem para eliminar povoamentos, cidades inteiras? Seria apenas a eliminação física o indicativo da vitória?
Nicolelis, seguindo a informação gödeliana, nos dá o exemplo da pessoa que sentia cócega na perna decepada. Não estaria nos abrindo o campo mais profundo da geopolítica?
O EUA, pela maneira como foi colonizado pelos europeus (ingleses, irlandeses, escoceses, holandeses, franceses, espanhóis, suecos) de histórias e hábitos diferentes, de como estes estrangeiros trataram os habitante originais, embora prevalecesse majoritariamente a bélica, até de extermínio, teve que inventar uma história que proporcionasse um fio condutor para as Treze Colônias. Esta farsa do início gerou um tipo de “informação gödeliana”, que acompanhará a história estadunidense e interferirá na visão geopolítica do Estado.
Paulo Nogueira Batista Jr., em artigo (“A Venezuela está enfrentando o Império; isso não pode ser desconsiderado pelo Brasil”, Viomundo, 30/7/2024) que analisa a recente eleição de Nicolás Maduro para presidente da Venezuela, qualifica, exemplificando, a ação do Banco Central de necessariamente corruptora.
Começa questionando a corporação global: “Existem empresas de determinados países que têm atuação internacional.” E, prossegue: “Quando uma empresa americana dita global é atingida nos seus interesses, o governo americano se solidariza com ela”.
O Banco Central recebe seus dirigentes do mercado financeiro privado, para onde retornarão após seus mandatos. Logo, não poderão defender o interesse do Estado Nacional e se indispor com os do mercado privado.
William D. Hartung, pesquisador sênior do Quincy Institute for Responsible Statecraft e autor de diversos trabalhos que o colocam como referência no campo da geopolítica, escreveu: “Após a derrocada da União Soviética, quando o então presidente do Estado-Maior Conjunto, Colin Powell, disse, em discurso antológico: “Estou ficando sem demônios. Estou ficando sem vilões. Estou reduzido a [Fidel] Castro e Kim Il-sung [o falecido dirigente norte-coreano]” (“As fantasias tecnológicas do Pentágono”, no Consortium News, traduzido por Outras Palavras, em 26/10/2023).
Por que os EUA precisa de demônios, de vilões, de terroristas, sendo ele mesmo um “Estado terrorista”? Perguntem aos salvadorenhos, aos afegãos, aos líbios, aos antigos iugoslavos. Só os EUA, ou suas colônias, consideram os islâmicos terroristas.
Mas qualquer dirigente do Estado, nos EUA, é designado e terá sua avaliação “popular” orientada pela comunicação controlada pelas empresas privadas.
A China, dos “hen”, é pacífica desde antes da Era Cristã. Um país que constrói muralhas não o faz para agredir, mas para se defender. Por que constituiria, no século 21, um “trator” devastando a Ásia?
A geopolítica, no Ocidente, vem sendo construída sobre a realidade de um país que se alimenta da guerra, que impõe sua moeda como moeda de troca universal, que dissemina pelo planeta mais de 400 bases militares, enfraquecendo ou impedindo a soberania das nações, que estabelece, pela farsa, uma inatingível capacidade tecnológica. Porém esta não é a realidade!
A realidade do mundo é a própria realidade da espécie: diversificada, múltipla, buscando, nos seus valores, a sua felicidade. A realidade do século 21 é a multipolar, e a geopolítica não pode, sem cometer grave erro, seguir a do militar golpista e estrategista brasileiro de 1964.
Porém, se a religião cegou, por seis séculos, os europeus; destruiu seu maior império; o romano, subjugou o talento de seus grandes filósofos, tudo “pela maior glória de Deus” (“Ad majorem Dei gloriam”), como está no lema dos jesuítas, os “soldados de Cristo”, por que a moeda não seria esta nova venda?
Com a entronização das finanças, as igrejas foram sendo transformadas em instituições financeiras, o Vaticano perdeu para a religião neopentecostal que surge, nos anos 1970, nos EUA. No Brasil, a Igreja Cruzada do Caminho Eterno (Salão da Fé) foi criada no Rio de Janeiro, em 1975, e tomou, dois anos após, novo nome, da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), proprietária do Grupo Record de Comunicação.
Mas surgem as Igrejas meramente virtuais que manobram bitcoins e moedas sem materialidade nem lastro. A geopolítica se dá num espaço vazio, no mínimo, de incompletudes.
Se num passado, ainda próximo, havia a geopolítica das nações buscando condições para o desenvolvimento de seus habitantes, havia o sentido das nacionalidades, hoje o poder virtual desloca o manejo das sociedades por verdadeiras abstrações.
Por toda parte?
Não. Como René Goscinny escrevia nos maravilhosos quadrinhos de Albert Uderzo para apresentar a aldeia de Asterix e Obelix: os romanos dominaram todo mundo? Não, pois havia uma pequena aldeia, na Gália, que os impedia.
Hoje é a pacífica República Popular dos “hen”, no extremo leste da Ásia, que impede que a moeda invisível tome conta do mundo. Que ainda mantenha a estratégia no interesse no ser humano.
Mas na belicosa geopolítica das finanças, nos relatórios de seus organismos – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) – a conclusão é que a China não suportou o ritmo de desenvolvimento, está perdendo a disputa com os EUA.
Há, por conseguinte, no século 21 dois vetores geopolíticos: aquele que segue o dinheiro, mesmo virtual e sem lastro, “chercher l’argent”, e o que busca o desenvolvimento humano, investe no bem estar do povo, ainda que com menor crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Arrastados pela geopolítica das finanças poder-se-á chegar ao extremo da ação anti-humana: a guerra. Nesta terceira década, o decadente poder dos EUA, econômico, tecnológico, militar (vide Ucrânia), moral (vide os palestinos) pode se transformar em nova guerra mundial.
(*) Por Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.