Nos trinta anos do Plano Real, um de seus mais importantes formuladores, o economista André Lara Resende, não se incorporou ao habitual coro de reverência que o festeja, mas aproveitou a oportunidade para reiterar as divergências que vem sustentando já há algum tempo e que fazem dele, na opinião da maioria dos cardeais do sacro colégio do mercado financeiro, um traidor da causa da ortodoxia monetária.
Isso faz de Lara Resende o oposto absoluto ao ainda Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cujo mandato nesse cargo foi propositalmente calculado para penetrar no governo Lula até o fim de dois de seus quatro anos de vigência e assim mantê-lo em um limite estreito de opções de política econômica.
Em artigo no jornal Valor Econômico, Lara Resende mostrou como o controle da inflação por meio de juros altos, opção imposta por Campos Neto ao Banco Central e, por extensão, ao governo Lula, acelera a elevação da dívida pública e atrasa a correção de um desajuste fiscal que, paradoxalmente, é denunciado como tão perverso quanto a inflação e é, em grande parte, sua causa.
Segundo Lara Resende, o Plano Real buscava, originalmente, “a visão dual de se promover o desenvolvimento, combinando combate à inflação mediante ajuste fiscal, porém cuidando do combate às desigualdades sociais por meio do desenvolvimento sustentável”.
De fato, o Presidente Itamar Franco, em cujo governo o Plano Real foi encomendado, concebido, formulado e posto em prática, vinha da tradição do antigo Partido Trabalhista Brasileiro, o de Getúlio Vargas, segundo a qual o maior objetivo do desenvolvimento econômico era promover a justiça social, hoje mais apresentada, com certo viés tecnocrático, como “combate às desigualdades sociais” e/ou “redistribuição de renda” e/ou “inclusão social”.
Os trinta anos do Plano Real coincidem com os setenta da crise de agosto de 1954, a tentativa final de golpe contra o segundo governo Vargas, cujo desfecho foi o contragolpe com que Getúlio, ao sacrificar a própria vida, derrotou de novo seus inimigos e garantiu a preservação de suas maiores realizações, como a legislação trabalhista e a Petrobrás — alvos prioritários ainda hoje do reacionarismo que também não perdoa as ideias atuais de André Lara Resende.
Em busca de uma retomada do desenvolvimento sem as travas impostas pelos juros altos, Lula cogita, neste momento, indicar ainda em agosto o novo Presidente do Banco Central, que só poderá tomar posse no dia 31 de dezembro, quando termina o mandato de Roberto Campos Neto. Com um presidente já indicado e aprovado pelo Senado (além de mais dois novos diretores que Lula terá de indicar), o governo talvez possa conter o novo ímpeto registrado na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária.
Nessa reunião, o Comitê não só não reduziu a taxa atual de 10,50%, como decidiu que ainda poderá aumentá-la em suas próximas reuniões, se houver aumento ou perigo de aumento da inflação.
Bem, outro dia, as principais bolsas do mundo tiveram uma queda súbita que pôs o mundo financeiro em polvorosa. Talvez por causa dos avanços agora diários de Kamala Harris contra Trump na campanha presidencial dos Estados Unidos.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.