Os poderes e a organização brasileira
Embora enfraquecido pelas ações bélicas, sanções e embargos contra a Federação Russa (Rússia), países que não se submetem ao poder financeiro global, como Cuba, Nicarágua, Venezuela e contra a República Popular da China (China), o poder financeiro ainda é muito forte no Brasil.
No Ocidente, ele comanda as decisões estadunidenses, do Reino Unido, da França, onde o atual presidente foi empregado da família de banqueiros Rothschild, da Alemanha e de outros países europeus, americanos e do Oriente Médio.
Até o fim do século 20, a palavra “banca” representava o que as próprias finanças passaram a denominar, no século 21, “gestores de ativos”, ou seja, captadoras e aplicadoras de bens monetários.
Em dezembro de 2022, os cinco maiores gestores de ativos do mundo estavam nos Estados Unidos da América (EUA):
1) BlackRock, com ativos na ordem de US$ 10 trilhões;
2) Vanguard, com ativos de US$ 8 trilhões;
3) Fidelity, com ativos de US$ 4 trilhões;
4) State Street, com ativos de US$ 3,5 trilhões;
5) J.P. Morgan Chase, com ativos de US$ 3 trilhões.
O 6º maior gestor de ativos vem da Alemanha, o Allianz, com ativos de US$ 3 trilhões.
Os três seguintes eram os estadunidenses:
7) Capital Group, com ativos de US$ 3 trilhões;
8) Goldman Sachs, com ativos de US$ 2,5 trilhões;
9) BNY Mellon, com ativos de US$ 2 trilhões.
Vindo a seguir:
10) Amundi, da França, e
11) UBS, da Suíça, ambos com ativos da ordem de US$ 2 trilhões; e
12) Legal & General Group, do Reino Unido, com ativos de US$ 1,9 trilhões.
Seguiam-se seis gestores de ativos estadunidenses (Prudential Financial, T. Rowe Price Group, Invesco, Northern Trust, Franklin Templeton, Morgan Stanley), com ativos entre US$ 1,7 e US$ 1,4 trilhões, até chegar ao 19º, o francês BNP Paribas, também com cerca de US$ 1,4 trilhões.
Na 20ª posição estava Wellington, EUA, com ativos na ordem de US$ 1,4 trilhões (Fonte: FundsPeople, 25/10/2023).
Para que se tenha a ideia do que representavam estes gestores de ativos, nos cinco maiores Produto Interno Bruto (PIB), em 2023, estavam:
1) EUA, com US$ 23 trilhões;
2) China, com US$ 18 trilhões;
3) Alemanha, com US$ 4,5 trilhões;
4) Japão, com US$ 4 trilhões; e
5) Índia, com US$ 3,5 trilhões.
O Brasil, situado em 9º lugar, possuía pouco mais de US$ 2 trilhões (Fonte: DadosMundiais.com, em julho de 2024).
Os poderes constitucionais brasileiros
A Constituição de 1988, conforme Emenda Constitucional nº 80/2014, define os poderes dentro do sistema republicano participativo que vem sendo adotado por grande número de países desde a Constituição dos EUA, de 1787, e da Revolução Francesa de 1789.
Sucintamente são, no Brasil, o Poder Executivo, composto do Presidente e do Vice-Presidente, auxiliado pelos Ministros de Estado, o Poder Legislativo, funcionando como Congresso Nacional, constituído pela Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e o Poder Judiciário, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público são os garantidores da ordem democrática e dos direitos do Estado e da Cidadania.
A estrutura do Estado brasileiro foi copiada da estadunidense, federativa, contrariando a tradição unitária do Brasil Colônia. A prova desta inconsistência está nos períodos autoritários e centralizadores do Estado Novo (1937-1945) e dos Governos Militares, especialmente de Emílio Médici e Ernesto Geisel (1969-1979) quando o Brasil teve seus maiores crescimentos econômicos e sociais, além da criação de instituições administrativas para o País.
Vive-se atualmente com o poder executivo fraco, submisso ao capital financeiro apátrida, que abre espaço para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, negociar, apoiado pelo senador Rodrigo Pacheco, o modelo parlamentarista ou semipresidencialista para o Brasil.
O Judiciário, por seu turno, usa a capacidade de definir a constitucionalidade das leis, para minar o poder legislativo. Obviamente a sociedade brasileira retrocede, não só na economia como na vida política, social, dos direitos, que vai se afastando das suas necessidades e ficando dependente do que lhe chega pela comunicação da imprensa, em especial a televisiva, e, exercendo ainda maior pressão, as comunicações virtuais, cujos verdadeiros donos estão no exterior, são os gestores de ativos.
O Brasil é mais africano do que europeu, visto pelas tradições mais arraigadas na maioria da população, pelo vocabulário e pelo tom da pele da maioria absoluta de sua população.
Em março de 1957, com a independência da antiga Costa do Ouro, atual Gana, ocorreu a primeira colônia da África subsaariana a ganhar governo próprio. Buscou-se construir nova História da África, sem cair no erro de copiar as “nações mais desenvolvidas”.
Pergunta-se: foi possível? Não.
Naquela época de guerra-fria, a ideologia marxista e a presença da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) eram muito fortes na África e na Ásia. Em 1949, a gigantesca China se tornava país marxista, entre abril e novembro as grandes cidades passaram do controle colonial ou nacionalista para o controle comunista. Foi a “longa marcha” de Mao Tse Tung, deixando por onde passava vitoriosa um jornal para difusão das ideias marxistas.
Porém o pensamento confucionista, do século 5 antes da era cristã, mantinha-se internalizado na maioria, na quase totalidade, dos chineses.
O Brasil não teve situação similar. O pensamento cristão-católico que veio com os portugueses, com violência e opressão, se impôs mesmo na população africana trazida da África como escrava.
O Brasil brasileiro
Na década de 1980, quando as finanças iniciavam, com as desregulações financeiras e a imposição do Consenso de Washington (1989), verdadeira constituição universal, criava-se na África o “Grupo de Estudos Subalternos (GES)”, para interpretação nacional da história.
No entanto, toda formação europeia, tanto na África, quanto na Oceania e nas Américas, e, ainda que menos intensa, na Ásia – lembrar que a Índia, o mais populoso país nesta década, se tornou independente em 15 de agosto de 1947, há 67 anos – não conseguiu obstar algo valioso, que não poderia ser ofuscado pelas ideologias europeias.
Um exemplo está na iniciativa da UNESCO, sob direção do professor senegalês, hoje com 103 anos, Amadou Mahtar M’Bow (1974 até 1987), sendo presidente do “Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África”, o historiador queniano Bethwell Allan Ogot (03/08/1929), que coordenou a elaboração da “História Geral da África” em oito volumes, no entorno de mil páginas, cada.
Mahtar M’Bow, no Prefácio à “História Geral da África”, escreve: “Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espécie esconderam do mundo a real história da África. As sociedades africanas passavam por sociedades que não podiam ter história. Sustentavam que essas sociedades não podiam ser objeto de um estudo científico, notadamente por falta de fontes e documentos escritos”.
Não seria pela ignorância e ganância europeia? Lembrar que os astecas tinham o idioma nauatle, que Felipe II (1527-1598), da Espanha, proibiu a difusão para que os habitantes das Américas fossem considerados selvagens, incapazes de se orientarem sem a ajuda europeia.
O Brasil também ignora a obra e a atuação na sociedade de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o Patriarca da Independência, de José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), militar, político e escritor, que lutou ao lado de Simón Bolívar (1783-1830), de José Martiniano de Alencar (1829-1877), dos mais importantes ficcionistas e político brasileiro, de Luís Gonzaga Pinto Gama (1830-1882), abolicionista que sofreu a escravidão, de Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco, de Ruy Barbosa de Oliveira (1849-1923), de José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), historiador paranaense, de Clóvis Beviláqua (1859-1944), jurista e fundador da Academia Brasileira de Letras, de Eduardo da Silva Prado (1860-1901), de Sílvio da Silveira Ramos Romero (1851-1914), de Júlio de Castilhos (1860-1903), de Alberto de Seixas Martins Torres (1865-1917), de Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909), de Manoel José Bomfim (1868-1932), médico, historiador, defensor da educação para se ter o país mais justo, de Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), nosso maior estadista, de Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951), de Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968), de Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), o grande educador, de Alberto Pasqualini (1901-1960), dedicado ao trabalhismo, de Josué Apolônio de Castro (1908-1973), médico do combate à fome, de Ignácio de Mourão Rangel (1914-1994) e de Celso Monteiro Furtado (1920-2004), dois economistas que dignificaram a profissão, de Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), sociólogo e político, professor na Universidade do Sul da Califórnia (USC), do genial Darcy Ribeiro (1922-1997), de José Walter Bautista Vidal (1934-2013), e de outros escritores, políticos, professores, pensadores que refletiram sobre a sociedade brasileira.
Se houvesse interesse em desenvolver o sistema nacional para a organização institucional brasileira, a exemplo da África, porém como órgão público, talvez ligado à Presidência da República, criar-se-ia o “Comitê Científico Nacional para a História do Brasil”, onde os acima citados e outros de igual importância teriam suas obras completas editadas, estudadas em profundidade, e, assim, conhecida a cultura aqui formada.
O objetivo final do trabalho seria a interpretação nacionalista da nossa história para que se propusesse a organização e reorganização política do Estado Brasileiro, com os plebiscitos e referendos para que, conscientemente, o povo as julgasse.
O século 21 das comunicações virtuais, da era digital, da Inteligência Artificial (IA), não pode repetir modelos organizacionais, coloniais, do século 18 ou 19, nem mesmo do belicoso século 20.
Apresentar um Estado como democrático, como o fazem os defensores da unipolaridade estadunidense, é, senão intencional burla, um engodo.
Observe-se que, efetivamente, apenas dois partidos, com os mesmos propósitos, disputam periodicamente a presidência dos EUA. E não é o mais votado que se elege. É aplicado o sistema que determinados estados, tais como Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin, seis dentre 52, pela quantidade de representantes, são os eleitores decisivos para determinação do Presidente.
Na formação do Brasil República optou-se pela Doutrina Monroe (1823), devida ao Presidente estadunidense por dois mandatos, James Monroe (1817-1825), ao invés do ideal de Sebastián Francisco de Miranda Rodríguez y Espinoza (1750-1816) e de Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Ponte y Palacios Blanco (1783-1830), para quem a ideia de independência era inseparável da integração da Nova Granada, apenas um país territorialmente grande poderia ser soberano.
Na expressão do escritor e professor José Gregorio Linares Acosta (1960), em “Bolivarianismo versus Monroísmo” (Centro de Estúdios Simón Bolívar, Caracas, 2020), trata-se do “contraponto entre a dignidade e a ingerência”.
O Brasil, com a exceção única do Estado Novo de Vargas, vem optando pela “ingerência”, e, desde 1990, sob a forma de capitais apátridas, hoje designados gestores de ativos.
O político, especialista em movimentos nacionalistas e de integração regional, Samuel Kwadwo Boaten Asante (Gana, 11 de maio de 1933) escreve em “O Pan-africanismo e a Integração Regional”, no volume VIII, da “História Geral da África África desde 1935” (UNESCO, 2010): Há “dois aspectos característicos de um movimento de libertação. O primeiro visa a unidade e a cooperação política. O pan-africanismo conheceu a fase colonial, de 1935 a 1957, a fase da independência, como movimento de libertação, e uma terceira fase iniciada nos anos 1970, no curso da qual o pan-africanismo, como força de integração, foi sobremaneira reforçado pelas mudanças ocorridas na economia mundial e pelas pesadas repercussões destas mudanças nas economias africanas”.
Nestes mais de trinta anos, com cinco eleições para Presidente vencidas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não se constituiu qualquer iniciativa para estudar o Brasil em profundidade e propor o modelo efetivamente nacional de gestão do Estado.
Vemos nesta disputa atual entre os poderes executivo, legislativo e judiciário o sintoma, a febre que poderá nos levar à morte como Nação Soberana, que Bautista Vidal contrapunha ao Estado Servil, mas que o seremos, servos das finanças.
(*) Por Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.